sexta-feira, 20 de maio de 2011

Estudo dirigido de Diabetes Mellitus - I

ESTUDO DIRIGIDO - DIABETES MELLITUS - I


Índice



Leia com atenção o caso clínico abaixo. Você já conhece o paciente. Observe que mudanças ocorreram neste período de cinco anos.
O Sr. Adauto Pressório, motorista de taxi, hoje com 50 anos, compareceu à consulta em janeiro para reavaliação dos fatores de risco para doença cardiovascular (segundo ele, para “controle da pressão”).
Ele não gosta destas consultas porque “não sente nada”. Mas nestes cinco anos passou a confiar em você e comparece regularmente nos retornos - embora não siga muito bem as suas orientações.
Neste período ganhou 5 kg e - de novo - disse que em breve terá tempo de começar os exercícios. Não vem seguindo muito bem a dieta porque almoça fora de casa; e na hora do jantar sempre chega faminto. Também pretende parar de fumar e já reduziu o consumo de álcool para apenas uma latinha de cerveja à noite. Ele tem utilizado hidroclorotiazida 25mg quase todos os dias de manhã, mas o enalapril de 20mg, que deveria ser tomado duas vezes por dia, ele só toma de manhã. Segundo ele mesmo disse “porque não estou sentindo nada e acho que o excesso de medicamentos pode fazer mal”. O ácido acetilsalicílico ele não toma pelo mesmo motivo, e porque não consegue se lembrar de tomar “mais um comprimido” na hora do almoço.
  Durante o exame a pressão arterial na maioria das medidas estava por volta de 135/85 mm Hg. O exame físico nada revelou além da obesidade (peso=100 kg; altura 1.70; IMC=34,6). A freqüência cardíaca era 70 bpm.
Os novos exames complementares de janeiro são apresentados no quadro:



Glicemia de jejum
160 mg/dl
Glicohemoglobina
8,5%
Colesterol
Total: 220 mg/dl; LDL 140 mg/dl; HDL: 30 mg/dl;
Triglicérides
300 mg/dl
Potássio
Dentro dos valores de referência
TSH basal
Dentro dos valores de referência
Creatinina, uréia.
Dentro dos valores de referência
Microalbuminúria
40 mg/g
Urina rotina
Dentro dos valores de referência
Ácido úrico
12 mg/dl
Eletrocardiograma
Sobrecarga ventricular esquerda
Ecocardiograma
Hipertrofia ventricular esquerda
Teste ergométrico
Ainda não conseguiu fazer.
Ele repetiu a glicemia de jejum em uma semana e você confirmou o diagnóstico de diabetes. Faça uma lista com todos os problemas do Sr. Adauto que você identificou. Marque aqueles que deverão interferir na sua avaliação e abordagem do diabetes.
Primeiramente, é importante lembrar da deficiente aderência ao tratamento instituído
- Sedentarismo
- Erro alimentar
- Tabagismo
- Alcoolismo (?)
- Uso inadequado dos anti-hipertensivos e do AAS
- HAS, com meta dos níveis pressóricos ainda não atingida
- Obesidade grau I
- DM II, com glicohemoglobina aumentada (o que reflete inadequado controle glicêmico nos últimos 2 a 3 meses, aproximadamente)
- Dislipidemia
- Microalbuminúria (ou seja, já há acometimento renal)
- Hiperuricemia
- Sobrecarga e hipertrofia de VE (ou seja, acometimento cardíaco)
Pode-se dizer que todos são relevantes na abordagem do diabetes, uma vez que estão relacionados direta ou indiretamente a ele. Na verdade, todos eles contribuem no aumento da morbimortalidade, não sendo possível “excluir” algum deles da abordagem. Por exemplo, o controle da HAS é fundamental, uma vez que correlaciona-se a problemas cardiovasculares; e o diabetes por si só já aumenta o risco cardiovascular. Portanto, a adição de mais um problema aumenta ainda mais o risco desse paciente; não sendo possível, então, ignorar algum problema da avaliação e da abordagem terapêutica. O mesmo acontece com a questão do acometimento renal: tanto a HAS quanto o diabetes podem determinar lesão renal, por exemplo.



Abra agora o texto “Diabetes Diretrizes da SBD 2007[1]. Vamos começar pelo texto “Medicamentos orais no tratamento do Diabetes mellitus: como selecioná-los de acordo com as características clinicas dos pacientes” (página 30). Em seguida vamos abordar o “Tratamento da hiperglicemia pós-prandial” (página 63). Lembre que há outros textos (mencionados nas orientações iniciais sobre este tema) para você aprofundar seus conhecimentos.
Atenção: embora seja bom você ter uma idéia do mecanismo de ação, indicações e efeitos adversos da acarbose, glitazonas e gliptinas, na disciplina Terapêutica você só poderá prescrever biguanidas, sulfoniluréias e/ou insulina para o Sr. Adauto. Isto é o que ocorre na vida real, quando pesamos os prós e contras do ponto de vista de eficácia, segurança e custo dos medicamentos.
1)    Assim que confirmou o diagnóstico de diabetes Sr. Adauto você começou a pensar se deveria instituir o tratamento farmacológico de imediato. Cite razões para começar agora, e razões para adiar algumas semanas ou meses.
Primeiramente, é preciso lembrar que o Sr. Adauto é um paciente que tem precária adesão terapêutica. Por exemplo, as mudanças no estilo de vida, que seriam a “base” terapêutica, não só em relação a DM, mas também para HAS, dislipidemia e obesidade, por exemplo, não foram realizadas por ele. Ele permanece sedentário, com erro alimentar, e inclusive ganhou peso (atualmente, classificado como obeso grau I). Continua fumando, e não parou de ingerir álcool (mas pelo menos reduziu a quantidade). Ou seja, ele apresenta muitos problemas, e muitos fatores de risco para doença cardiovascular. Além disso, ele apresenta níveis consideravelmente elevados de glicohemoglobina, e microalbuminúria, o que também causa preocupação. Portanto, provavelmente eu iniciaria o tratamento farmacológico agora. Porém, é importante lembrar, ainda, que o Sr. Adauto apresenta precária adesão terapêutica também quanto aos medicamentos prescritos. Portanto, provavelmente mesmo receitando, por exemplo, hipoglicemiantes orais, a correta utilização dos mesmos não ocorreria. Assim, talvez fosse ainda considerável insistir nas mudanças de estilo de vida (OBS: o que eu faria mesmo se fosse iniciar o tratamento farmacológico agora!) e adiaria o inicio do tratamento farmacológico por mais algum tempo.







2)    Qual será a meta (níveis glicêmicos e de glicohemoglobina a alcançar) do tratamento, seja ele farmacológico ou não? Justifique.
A glicemia deve ser mantida normal (jejum < 100mg/dl e pos-prandial < 140mg/dl). Quanto a glicohemoglobina, é importante lembrar que acima do nível de 7% o risco de retinopatia, nefropatia, neuropatia e microalbuminuria começa efetivamente a apresentar progressão significativa. Assim, a recomendação é de que os níveis sejam mantidos inferiores a 6,5%.


3)    Como você explicará ao Sr. Adauto – agora, ou mais tarde - que, embora ele “não sinta nada”, será necessário acrescentar mais uma droga à sua prescrição? Use argumentos objetivos.
O Sr. Adauto já apresenta uma série de problemas, sendo que todos eles aumentam significativamente o risco cardiovascular. O mesmo vale para o diabetes, lembrando ainda que ele é um problema que tende a progredir e que, portanto, mesmo com mudanças no estilo de vida, a tendência é que tenhamos que acrescentar mais uma droga a sua prescrição. Tentaria explicar de uma forma bem simplista, como “a tendência é que as células do pâncreas que produzem a insulina sejam destruídas, e assim, com o tempo, é necessário tomar mais medicamentos; e, em determinado momento, nem eles funcionarão bem mais, sendo necessário o uso de insulina”. E explicaria, ainda, que com um bom controle das outras comorbidades, esse processo é desacelerado. E, talvez o mais importante de tudo seria deixar claro para ele que não necessariamente ele tem que sentir algo, muitas vezes as alterações vão ocorrendo de forma silenciosa. Por exemplo, diria que “as artérias vão sendo afetadas, vão ‘entupindo’, mesmo você não sentindo nada, e de repente você pode ter um infarto ou um ‘derrame’. E não só isso, outros órgãos também são afetados, com os rins, os nervos..Pode chegar a precisar amputar um pé!”.



4)    Dentre as quatro fases do Diabetes mellitus mencionadas no texto (insulinorresistência, etc.), em qual o Sr. Adauto provavelmente se encontra? Justifique, citando evidências clínicas e laboratoriais.
Provavelmente, na fase dois, uma vez que os níveis glicêmicos não estão discretamente aumentados (os níveis encontram-se acima de 150 mg/dl). Ele ainda não apresenta perda de peso (inclusive ganhou peso); e apresenta resistência a insulina (por exemplo, apresenta obesidade, hipertrigliceridemia, baixo colesterol HDL, alto colesterol LDL e HAS).

5)    Há uma droga excelente para iniciar o tratamento. Se você tiver dúvidas, confira as respostas das perguntas acima. Veja se ele tem alguma contra-indicação a esta droga. Se não tiver, faça a prescrição completa. Comece com uma dose baixa e aumente a dose a cada duas semanas, até a dose máxima.
A metformina atua diminuindo a produção hepatica de glicose, acompanhada de ação sensibilizadora periférica mais discreta. Além disso, tem certo efeito anorexígeno, o que contribui para a perda de peso, sendo útil em casos de obesidade associada, como é o caso em questão. E ainda, pode contribuir para melhora do perfil lipídico.
Uso oral:
Metformina                            500 mg                               60 comp/mês
Tomar um comprimido após o café da manhã e um comprimido após o jantar.   

Depois, poderia passar para 500 mg 3 vezes ao dia; depois 500 mg, dois comprimidos, duas vezes ao dia e; finalmente, 850 mg três vezes ao dia.
OBS: dose máxima: 850mg/dose, 3 vezes ao dia.

Dúvida: o ideal, para melhorar o efeito, seria tomá-la antes das refeições; mas pelo risco de intolerância, prefere-se prescrever a sua ingestão após as refeições, não é? A partir de algum tempo de tratamento, eu poderia tentar essa ingestão antes das refeições? Ou o recomendado é manter após as refeições mesmo?



Depois de “sumir” por vários meses, o Sr. Adauto retornou em agosto trazendo os exames que em janeiro você pediu a ele que fizesse, mas que ele só conseguiu fazer nesta semana. Embora persista assintomático e com o mesmo estilo de vida, ele perdeu 3 kg neste período. Ele disse que não tolerou a dose máxima da droga que você prescreveu por causa dos efeitos adversos, mas tem tomado uma dose média (entre a dose inicial e a máxima que você prescreveu).
Veja no quadro o resultado dos exames que ele fez em agosto.
Glicemia de jejum
150 mg/dl
Glicohemoglobina
7,5%
Colesterol
Total: 210 mg/dl; LDL 140 mg/dl; HDL: 30 mg/dl;
Triglicérides
200 mg/dl
Potássio
Dentro dos valores de referência
TSH basal
Dentro dos valores de referência
Creatinina, uréia.
Dentro dos valores de referência
Microalbuminúria
60 mg/g
Urina rotina
Dentro dos valores de referência
Vitamina B12
Dentro dos valores de referência
Ácido úrico
10 mg/dl
6)    Quais são os efeitos adversos aos quais ele se refere? Qual a razão da perda de peso?
A metformina pode causar efeitos adversos como anorexia, diarréia, flatulência e náuseas.  Pode ainda causar cefaléia, hipoglicemia, calafrios, vertigem, fraqueza muscular, mialgia, vômitos, dispepsia, desconforto abdominal, azia, dentre outros. A perda de peso pode ter ocorrido principalmente pelo efeito anorexígeno, mas também pelas náuseas, vômitos e diarréia, que podem ter contribuído ainda mais para a redução da ingestão alimentar.

7)    Você acha que a droga que você prescreveu cumpriu seu papel? Justifique.
Parcialmente. Ele ainda não atingiu os níveis glicêmicos desejados, mas já houve certa melhora e inclusive houve perda de peso. Provavelmente, se ele não tivesse apresentado efeitos adversos e tivesse utilizado a dose máxima continuamente e de forma correta, os níveis desejados seriam alcançados.



Ele “já avisou” que não vai utilizar insulina “nem que a vaca tussa”.
Portanto, agora você tem três opções:
1.                                            Manter as drogas e estimular as modificações do estilo de vida;
2.                                            Aumentar a dose da droga que ele está usando;
3.                                            Associar outra droga via oral.

8)    Decida qual será sua conduta e justifique.
Associar outra droga via oral. O paciente apresenta dificuldade para realizar modificações no estilo de vida; e ele apresentou efeitos adversos com doses mais elevadas da droga que ele está usando.

9)    Se você decidiu associar outra droga, faça a prescrição de uma dose inicial, e já programe como será o primeiro aumento de dose.
Uso oral:
Glibenclamida                           5 mg                             15 comp/mês
Tomar ½ comprimido no café da manhã.
Depois de no mínimo uma semana, passaria para 5 mg, 1 comp. no café da manhã.

10) Considere o mecanismo de ação do medicamento que você prescreveu. Que tipo de orientações você deve dar ao Sr. Adauto sobre dois importantes efeitos adversos?
Hipoglicemia (não tomar o medicamento em caso de significativa redução do apetite ou interrupção da dieta).
Pode ser que ocorra certo ganho de peso.


Abra novamente o texto “Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes”. Desta vez vamos trabalhar com o capítulo “Tratamento da hiperglicemia pós-prandial” (página 63). Lembre que há outros textos (mencionados nas orientações iniciais sobre este tema) para você aprofundar seus conhecimentos.
Atenção: aqui vale a mesma regra. Por questões relacionadas à eficácia, segurança e custo dos medicamentos, nesta parte você também só poderá prescrever biguanidas, sulfoniluréias e/ou insulina para o Sr. Adauto.
Imagine que na consulta de agosto o Sr. Adauto trouxe os resultados do quadro abaixo, e não aqueles do quadro anterior. Veja as diferenças. Analise o que deve estar ocorrendo com ele, do ponto de vista do metabolismo de carboidratos.

Glicemia de jejum
120 mg/dl
Glicohemoglobina
8,0%
11) Sua prescrição agora seria diferente? Justifique.
Parcialmente. Apesar de a glicemia de jejum estar elevada, ela não se encontra extremamente elevada a ponto de explicar o significativo aumento da glicohemoglobina. Portanto, pensaria em uma hiperglicemia pós-prandial. Mas como foi dito, a glicemia de jejum ainda está elevada; e em janeiro esse valor era bastante elevado (160 mg/dl). Assim, eu provavelmente manteria a metformina, mas em uma baixa ou média dose, e associaria a glibenclamida mesmo, mas em maior dose (por exemplo, começaria com 2,5 mg/dia, depois 5mg/dia, até no máximo 20 mg/dia).  



12) Se for diferente, faça a prescrição de uma dose média deste medicamento.
Uso oral:
Glibenclamida                               5mg                                 120 comp/mês  
Tomar 2 comprimidos no café da manhã.

13) Explique para o Sr. Adauto as diferenças entre a repaglinida e sulfoniluréias com relação ao horário de administração e à intensidade dos efeitos adversos.
As sulfoniluréias devem ser tomadas juntamente com a refeição, geralmente com a primeira refeição significativa do dia. Já a repaglinida deve ser tomada antes das refeições. Os dois medicamentos podem causar hipoglicemia e ganho ponderal (mas com a repaglinida, esses efeitos tendem a ser menores).

Fim do estudo dirigido.


[1] Tratamento e acompanhamento do diabetes mellitus. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2007. http://www.anad.com.br/profissionais/images/Diretrizes_SBD_2007.pdf

Um comentário:

Anelise Impellizzeri disse...

Ei Michelle,
Este paciente está na fase 2, pois o nível de glico é muito alto.

Dúvida: o ideal, para melhorar o efeito, seria tomá-la antes das refeições; mas pelo risco de intolerância, prefere-se prescrever a sua ingestão após as refeições, não é? A partir de algum tempo de tratamento, eu poderia tentar essa ingestão antes das refeições? Ou o recomendado é manter após as refeições mesmo?
IDEAL: tomar antes das refeições. Se não tolerar, tomar após. Importante é colocar doses baixas e progressivamente mais altas. Se o paciente não tolerar, tente o comprimido XR, com menos efeitos colaterais.
Não gosto da repaglinida, é cara e tem os mesmos efeitos da glibenclamida. Iniciaria, neste item, com insulina.
Cuidado com a glibenclamida. Inicie com doses baixas e aumente devagar. Há grande risco de hipoglicemia.
Abs
Anelise

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