sábado, 2 de abril de 2011

Caso Clínico

Caso Clínico
02/04/2011
M.A.C.B., sexo feminino, 53 anos.  HAS, artrose, dislipidemia, sobrepeso. Medicamentos em uso:
-Sinvastatina 10 mg MID
-Aradois H  50 + 12,5 mg MID
Nunca recebeu orientações sobre o que é HAS, não sabe bem o que é, mas sabe de algumas conseqüências graves, como AVC. Toma os medicamentos atuais nos horários e doses prescritos, e não apresenta efeitos colaterais. Recebeu orientações quanto a alimentação (como reduzir a ingesta de sal) e quanto a prática de exercícios físicos; pediram para emagrecer (não emagreceu até hoje, inclusive acha que ganhou cerca de 2 kg).
Pratica exercícios físicos regularmente, caminhadas 2 vezes por semana, durante 1 hora. Gosta de praticar exercícios, inclusive deseja começar a fazer hidroginástica duas vezes por semana. Deseja emagrecer, não só pela saúde, mas também por estética. Alimentação: reduziu muito o sal, e evita usar muitos temperos prontos. Às vezes acha que a comida "fica sem graça" devido a praticamente ausência de sal, mas está se acostumando. Praticamente não ingere gordura, utiliza muito azeite e ingere castanhas diariamente. Também come muitas verduras e frutas.
Acompanhamento em dia com a ginecologia e com a reumatologia.
HF: pai: diabetes, HAS, AVC. Mãe: cardiopatia ( ICC? Chagas?), faleceu aos 45 anos com IAM. Irmã: 55 anos, HAS, obesidade.  Irmão: 54 anos: dislipidemia. Irmão: 60 anos, hígido.
Exame físico:
Peso: 63,0 kg
Altura: 1,50 m
IMC: 28
Circunferência abdominal: 92 cm
PA 128/72 mmHg
FC 84 bpm
FR 17 irpm
BEG, acianótica, anictérica, mucosas úmidas e normocoradas. Linfonodos não palpáveis.Tireóide sem alterações. AR: sons respiratórios normais, sem ruídos adventícios. ACV: RCR em 2T, BNF, sem sopros ou extrassístoles. Abdomen globoso, indolor a palpação, sem visceromegalias ou massas palpáveis. Articulações interfalangianas distais com deformidades e com presença de nódulos.
HD: HAS controlada, artrose, dislipidemia, sobrepeso (com circunferência abdominal aumentada).

Sobre a HAS:
Certo dia, no final de 2007, aferiu a PA em casa, e a mesma apresentou-se elevada (não se lembra do valor). Ligou para o médico da família, que receitou Clortalidona 25 mg MID, solicitou que fizesse MRPA, e solicitou exames: glicemia jejum 80, creatinina 0,7, colesterol 250, HDL 40, LDL 175, TGL 153, ácido úrico 5,1, TSH 3,6, PCR alta sensibilidade 2,6, hemograma sem alterações. Marcou uma consulta e, durante exame físico, PA= 180/? mmHg. Foi receitada olmesartana 20 mg,  1 comprimido imediatamente; e controle contínuo com Benicar HCT (que é a combinação de olmesartana e hidroclorotiazida) , não se lembra da dose. Solicitados outros exames: teste ergométrico: interrompido devido ao cansaço habitual do esforço, sem manifestar sintomas que possam sugerir isquemia miocárdica ou IVE. Não apresentou alterações na ausculta cardíaca pulmonar. Alcançou 108% da FC máxima prevista. Teste sem critérios clínicos e ou eletrocardiográficos de isquemia mioca´rdica. Escore de risco de Duke: 3 pontos: baixo a médio risco de evento coronariano em 1 ano. Resposta pressórica adequada. Classe funcional I. Boa tolerância ao esforço. EcoDoppler: sem alterações. Os níveis pressóricos foram controlados, porém apresentou reações adversas, como diarréia.
Em 2008 realizou nova consulta. Exames: creatinina 0,5; colesterol total 244, HDL 48, VLDL 26,6, LDL 169; TGO 41, TGP 25; fator reumatóide látex: negativo; VHS 60´ 20mm; PCR alta sensibilidade 5,0. Foi realizada MAPA: média pressórica sistólica pouco alterada em todos os períodos; média pressórica diastólica normal; carga pressórica sistólica pouco alterada em vigília e 24 hs; carga pressórica diastólica normal; descenso noturno sistólico e diastólico adequado. Teste ergométrico: sem alterações, classe funcional I.  Foram receitados Aradois H 50/ 12,5 mg MID; Ablok 25 mg MID; Sinvastatina 5 mg MID.
Em 2009, nova consulta. Os níveis pressóricos estavam controlados. Resultados de exames: PCR 3,6, glicemia 85, colesterol total 192, HDL 55, VLDL 39,2, LDL 97,8, triglicérides 196, TGO 45, TGP 36. Mantido Aradois H 50/12,5 mg; Ablok 25 mg MID; aumentada dose de sinvastatina para 10 mg MID. Exames solicitados: glicemia jejum 89; glicose 2h pós 75g dextrosol 91 mg/dL; uréia 49; creatinina 0,6; CPK 121; exame de urina sem alterações.
Junho de 2010: níveis pressóricos controlados. Resultados de exames: creatinina 0,6, uréia 51, colesterol 181, HDL 43, VLDL 42,2, LDL 95,8, triglicérides 211, hemograma sem alterações, glicemia jejum 83, urina rotina sem alterações. Retirado Ablok 25 mg, mantidos os outros medicamentos. 

quarta-feira, 30 de março de 2011

Estudo dirigido de hipertensão

Leia com atenção o caso clínico abaixo. Você acha que este é um paciente comum, com problemas geralmente observados no seu dia-a-dia?
O Sr. Adauto Pressório, motorista de taxi, 45 anos, veio se consultar para um check-up. Ele compareceu bravo à consulta, pois veio por insistência da esposa; ele não gosta de médicos e há anos não se consulta “porque não sente nada”. Durante o exame a pressão arterial variou entre 140/90 mmHg, 138/92 mmHg e 138/88 mmHg. Você explicou a ele a importância de um exame periódico de saúde e ficou combinado dele retornar em 30 dias, mais tranquilo.
Na segunda visita as medidas da PA estavam semelhantes. O Sr. Adauto relatou que um diagnóstico de hipertensão arterial foi firmado há cerca de três anos. Como ele não sentia nada, não tomou nenhuma providência. Ele nunca se internou por causas relacionadas à hipertensão, mas há dois anos permaneceu quase 24h em observação em um serviço de urgência com uma crise hipertensiva: “o médico disse que a pressão estava 19”.
Ele menciona que é obeso há mais de dez anos e ganhou 3 kg nos últimos 12 meses; há cinco anos fuma cerca de um maço de cigarros por dia, e acha que esta é a causa das suas crises de esporádicas de “chieira”; bebe três latinhas de cerveja toda noite; habitualmente almoça um PF em um bar perto de casa; não faz exercícios; ignora se já realizou exames de glicemia ou colesterol; tem o intestino um pouco preguiçoso e há duas semanas vêm usando diclofenaco de sódio para tratamento de lombalgia. Nunca realizou um ECG, um ecocardiograma ou um teste ergométrico.
Seu irmão era diabético e faleceu aos 54 anos “de parada cardíaca”.
O exame físico nada revelou além da pressão arterial elevada e obesidade (95 kg; altura 1.70; IMC=33). A frequencia cardíaca era 60 bpm.
Os exames complementares são apresentados no quadro:



Glicemia de jejum
118 mg/dl
Colesterol
Total: 252 mg/dl; LDL 170 mg/dl; HDL: 32 mg/dl;
Triglicérides
250 mg/dl
Potássio
Dentro dos valores de referência
TSH basal
Dentro dos valores de referência
Creatinina, uréia.
Dentro dos valores de referência
Microalbuminúria
20 mg/g
Urina rotina
Dentro dos valores de referência
Ácido úrico
12 mg/dl
Eletrocardiograma
Sobrecarga ventricular esquerda
Ecocardiograma
Hipertrofia ventricular esquerda
Teste ergométrico
Ainda não conseguiu fazer.
Faça uma lista com todos os problemas que você identificou. Separe aqueles que possivelmente deverão interferir na sua avaliação e abordagem inicial da hipertensão arterial.
Sem dúvidas este é um paciente comum, com problemas geralmente observados no dia-a-dia.
Lista de problemas:
-Paciente não se preocupa em realizar avaliação periódica da saúde
-Não adesão a tratamento
-Histórico de crise hipertensiva
-Obesidade grau I
-Tabagismo (e DPOC?)
-Alcoolismo (??)
-Hábitos alimentares não saudáveis
-Sedentarismo
-Falta de investigação para risco cardiovascular
-Constipação intestinal ?
-Uso contínuo de anti-inflamatório
-HF de DM e complicações
-Avaliar possível DM (glicemia de jejum alterada)
-Dislipidemia
-Hiperuricemia
-Hipertrofia de VE
Pode-se dizer que praticamente todos eles são relevantes do ponto de vista da abordagem inicial da HAS. Por exemplo, é crucial orientá-lo quanto a importância da realização de exames periódicos, e da adesão aos tratamentos. Deve ficar claro para ele que apesar de não sentir nada, muitas são as repercussões, e que seu “corpo já está sendo danificado”. E ainda, que antes de começar a tomar qualquer medicamento, é extremamente importante a mudança no estilo de vida, como hábitos alimentares saudáveis, prática de exercícios físicos, etc.








Abra agora o texto Hipertensão Diretrizes Brasileiras 2010[1]. Está em Midiateca>Biblioteca. Se preferir, responda as perguntas na medida em que ler o texto e encontrar as respostas. No início de alguns trechos inserimos o link para mini-capítulos do “Livro Virtual Manuais de Cardiologia”, do site da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, que traz informações atualizadas, práticas e objetivas, muito úteis para complementar as diretrizes.
1)    Assim que aferiu a pressão do Sr. Adauto na 2ª visita você começou a pensar se deveria instituir o tratamento farmacológico de imediato. Cite razões para começar agora, e razões para adiar algumas semanas ou meses.
A decisão terapêutica não deve ser baseada apenas nos níveis da PA, mas também no risco cardiovascular (considerando-se a presença de fatores de risco, lesão em órgão-alvo e/ou doença cardiovascular estabelecida).
Apesar de seus níveis pressóricos se encontrarem nos valores limítrofes, é importante lembrar que se trata de um paciente com elevado risco cardiovascular (há fatores de risco, como história familiar, dislipidemia e obesidade; e há lesão em órgão-alvo  – por exemplo, há hipertrofia de VE). Assim, o ideal seria instituir o tratamento farmacológico de imediato, visando não só a redução dos níveis pressóricos, mas também a redução do risco de eventos cardiovasculares e mais lesões a órgãos-alvo, por exemplo. Porém, é importante lembrar que se trata de um paciente que não faz exames periódicos de saúde, e que não adere a tratamentos. Por exemplo, a instituição imediata de um tratamento farmacológico poderia “afastá-lo” novamente.  Portanto, talvez fosse pertinente iniciar o tratamento apenas com mudanças no estilo de vida, juntamente com orientação contínua; e assim que possível, iniciar o tratamento farmacológico.
                                         






2)    Qual será a meta (níveis pressóricos a serem atingidos) do tratamento, seja ele farmacológico ou não? Justifique.
Valores pressóricos inferiores a 130/80 mmHg, pois trata-se de paciente com níveis pressóricos limítrofes, com risco cardiovascular alto, com fatores de risco (como lesão a órgão-alvo).


3)    Porque a redução de peso é tão importante para o Sr. Adauto? Que peso ele deve tentar atingir?
Sem dúvidas há íntima relação entre aumento de peso e da pressão arterial. Perdas de peso e da circunferência abdominal correlacionam-se não só com reduções dos níveis pressóricos, mas também melhora de alterações metabólicas associadas (por exemplo, a obesidade está intimamente associada a resistência periférica a insulina e, portanto, a DM). Seu índice de massa corporal (IMC) deve ser menor que 25 kg/m2 e a circunferência abdominal inferior a 102 cm. Assim, seu peso deve estar abaixo de 72,25 kg.

4)    Quais seriam as suas recomendações dietéticas para ele?
Sempre que possível, almoçar em casa; evitar PFs. Escolher alimentos que possuam pouca gordura saturada, colesterol e gordura total. Por exemplo, escolher carnes magras, aves e peixes; e preferir grelhados a frituras. Ingerir mais frutas e verduras. Preferir leite desnatado ou semi-desnatado. Preferir os alimentos integrais, como pão, cereais e massas integrais ou de trigo integral. Evitar colocar muito óleo na comida (preferir azeite, ou óleo de soja, milho ou canola). Evitar adicionar sal a comida; não deixar o saleiro em cima da mesa nos horários das refeições. Diminuir o consumo de alimentos enlatados e temperos industrializados- por exemplo, preferir usar alho. Tentar substituir, sempre que possível,  doces por frutas. Tomar, no máximo, duas latas de cerveja por dia.



5)    Que recomendações sobre mudança do estilo de vida ele deve receber?
Além das mudanças alimentares, seria importante orientá-lo quanto a cessação do tabagismo e a prática de exercícios físicos. Por exemplo, iniciar com caminhadas de 30 minutos duas vezes por semana, depois três vezes por semana, e assim por diante.

6)    Como deveria ser composta a equipe multiprofissional para acompanhar o paciente?
 A equipe multiprofissional pode ser constituída por todos os profissionais que lidam com pacientes hipertensos, como médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, nutricionistas, psicólogos, fisioterapeutas e professores de educação física. Como a HAS é uma síndrome clínica multifatorial, contar com a contribuição da equipe multiprofissional de apoio ao hipertenso é conduta desejável, sempre que possível.


7)    Em algum momento do acompanhamento você decidiu iniciar o tratamento farmacológico da hipertensão arterial do Sr. Adauto. Você disse a ele que o objetivo seria a redução da morbidade e mortalidade cardiovascular. Ele pediu para você explicar melhor “esse negócio de redução da morbidade”. Explique:
O objetivo do tratamento não é apenas reduzir o risco de vida, mas também evitar possíveis complicações, melhorando a qualidade de vida. Por exemplo, sem um controle adequado, aumenta-se a chance de ocorrer um AVC, que pode não ser fatal, mas que pode deixar seqüelas que irão afetar muito sua qualidade de vida. Ou seja, morbidade é essa presença de fatores que interferem negativamente na qualidade de vida.

8)    Que outras orientações iniciais você deverá prover ao paciente?
É importante orientar o paciente quanto a necessidade de um tratamento adequado, seguindo as recomendações dadas. Por exemplo, tomar os medicamentos todos os dias, nos horários e nas doses indicadas. E que, mesmo que ele não sinta nada (muitos dizem que tomam os medicamentos, mas que não sentem que estão melhorando), os medicamentos estão fazendo efeito, e que é necessário continuar o tratamento. Assim, deve-se salientar a questão do tempo necessário para que ocorra o efeito desejado. Mas é importante explicar também, detalhadamente, a possível ocorrência de efeitos adversos; além da possibilidade de eventuais mudanças terapêuticas ao longo do tratamento.

9)    Você decidiu iniciar o tratamento com um diurético. Você se lembrava do mecanismo de ação? Que fatores você vai considerar para escolher uma das três classes de diuréticos? Justifique as razões pelas quais duas destas classes não são indicadas para ele, neste momento.
Geralmente os tiazídicos são os medicamentos de primeira escolha, sendo eficazes em todos os casos de hipertensão. Apesar de não possuirem ação na redução da hipertrofia ventricular de forma eficiente como outras drogas, e de poderem levar a alterações metabólicas -podendo piorar as já existentes, por exemplo-, são realmente os mais comumente utilizados, sendo os mais potentes hipotensores dentre as três classes de diuréticos.
Os diuréticos de alça são reservados para situações de hipertensão associada a insuficiência renal com taxa de filtração glomerular abaixo de 30 ml/min/1,73 m2  e na insuficiência cardíaca com retenção de volume. Não são potentes hipotensores para as formas leve e moderada, sendo geralmente utilizados na hipertensão arterial em situações especiais como estados edematosos ou em emergências hipertensivas.
 Os diuréticos poupadores de potássio apresentam pequena eficácia diurética, mas, quando associados aos tiazídicos e aos diuréticos de alça, são úteis na prevenção e no tratamento de hipopotassemia. Assim, são pouco usados por não serem potentes hipotensores. São utilizados normalmente em associação com outros diuréticos por sua propriedade de evitar a hipocalemia. Seu uso em pacientes com redução da função renal poderá acarretar hiperpotassemia.  

10) Faça uma prescrição de hidroclorotiazida e/ou clortalidona.
Hidroclorotiazida     25 mg.      Tomar um comprimido às  08       horas
Clortalidona                        25 mg.        Tomar um comprimido às 08       horas

11)  Você pediu a ele para retornar em dois meses. Ele sugeriu fazer um exame de sangue para o retorno. O que você acha? Justifique.
Acho válida a sugestão, não só para realizar avaliações, mas também para incentivar o paciente. Seria interessante solicitar dosagem de potássio sérico (para verificar uma possível hipocalemia causada pelo tiazídico);  hemoglobina glicada, glicemia de jejum e TOTG (já que apresentou glicemia de jejum alterada e, ainda, que fará uso de tiazídico, que  pode aumentar a resistência à insulina). Além disso, seria interessante repetir a dosagem de colesterol total e frações, de triglicérides e de ácido úrico (já que dentre os possíveis efeitos colaterais estão agravamento de dislipidemia e hiperuricemia).











O Sr. Adauto retornou em dois meses. Estava passando muito bem, sem queixas. Entretanto, embora você tenha prescrito hidroclorotiazida 25mg/dia ele estava utilizando 50mg/dia porque ganhou as cápsulas manipuladas de um primo.
Ele ainda disse que estava quase começando a adotar as modificações de estilo de vida que você prescreveu.
No exame físico você percebeu que ele ganhou 1 kg, e a pressão arterial era 130/88 mmHg, na maioria das aferições.
Os exames revelaram:
Glicemia de jejum
122 mg/dl
Glicemia 2h após dextrosol
156 mg/dL
Glicohemoglobina
6,4 %
Colesterol total e frações
Total: 262 mg/dl; LDL 172 mg/dl; HDL: 30 mg/dl;
Triglicérides
300 mg/dl
Potássio
3,2
Ácido úrico
14 mg/dl
12) Você decidiu ajustar a dose do tiazídico e introduzir mais um anti-hipertensivo. Justifique sua conduta.
Mesmo utilizando o dobro da dose prescrita, os níveis pressóricos continuam elevados. É extremamente importante deixar claro para o paciente que não basta “tomar mais remédios”: as modificações no estilo de vida são essenciais - não apenas para o controle dos níveis pressóricos, mas também devido a outras comorbidades (como a dislipidemia). Reduziria a dose novamente para 25 mg, já que ele apresentou efeitos adversos: hipocalemia e aumento dos níveis de ácido úrico. O aumento da dose, como já foi dito, não foi suficiente para alcançar os níveis pessóricos desejados; e além disso, o paciente apresentou efeitos adversos. Portanto, o ideal nesse caso seria reduzir a dose novamente do tiazídico (como foi dito) e associar mais um anti-hipertensivo (a associação nesse caso pode potencializar o efeito da droga; e o uso de doses mais baixas evita  o surgimento de efeitos adversos).


Vamos decidir qual será a melhor classe de antihipertensivo para associar. Primeiro você pensou em um inibidor adrenérgico.
13) Imagine o que diria o Sr. Adauto ao retornar duas semanas após iniciar o tratamento com alfametildopa ou clonidina (inclua somente os efeitos adversos mais frequentes): Doutor, eu parei o tratamento. Eu estava muito bem com a minha hipertensão, sem sentir nada. Este remédio começou a me provocar sonolência, sedação, boca seca, fadiga, hipotensão postural e disfunção sexual.

14) Que risco ele teria corrido ao suspender abruptamente as drogas?
Ele poderia apresentar hipertensão rebote, e ainda ocorrência mais acentuada de boca seca.

15) Se o Sr. Adauto tivesse outro problema clínico (envolvendo o sistema urinário) a doxazosina deveria ser cogitada. Que problema é este? Justifique.
HPB (hipertrofia prostática benigna), pois os alfabloqueadores propiciam melhora dos sintomas de pacientes com essa afecção por reduzirem o tonus muscular liso da bexiga e da próstata. Ou seja, melhoram os sintomas do prostatismo, sendo uma opção em pacientes hipertensos e portadores de hipertrofia prostática benigna. 
16)  Você percebeu que o Sr. Adauto tem problemas com o metabolismo de carboidratos e lípides? Neste sentido, a doxazosina seria uma opção interessante? Justifique.
Sim, ele apresenta glicemia de jejum alterada e tolerância a glicose alterada, além de dislipidemia. Seria sim uma boa opção, já que a doxazosina propicia melhora discreta no perfil lipídico (aumenta o HDL-colesterol, diminuindo o colesterol total e os triglicérides); e interfere favoravelmente no metabolismo glicídico, melhorando a sensibilidade a insulina.

17) Você pensou melhor e lembrou que a doxazosina poderia provocar mais dois efeitos adversos importantes no aparelho cardiovascular:
            Hipotensão postural               e          palpitações.
Pensando bem, para a primeira associação deve haver opções melhores!


18)  A idade é um fator relevante na sua decisão de prescrever ou deixar de prescrever um betabloqueador para o Sr. Adauto? Justifique:
Sim, pois a redução da morbidade e da mortalidade cardiovasculares é bem documentada em grupos de pacientes com idade inferior a 60 anos. (Em pacientes com idade superior a 60 anos, o uso dessa classe de medicamentos seria reservada para situações especiais, como nos portadores de coronariopatia, com disfunção sistólica, arritmias cardíacas ou infarto do miocárdio prévio).

19) Caso o Sr. Adauto tivesse tremor essencial ou crises frequentes e intensas de enxaqueca, que droga poderia ser cogitada? Propranolol
20) Analise os efeitos adversos mais frequentes dos betabloqueadores. Há pelo menos dez bons motivos para não prescrever esta classe de medicamentos para ele, pelo menos no momento. Quais são? (Lembre-se de que, quando ele não gosta do medicamento, ele interrompe o tratamento. Assinale com X os efeitos adversos que não seriam provocados pelo carvedilol).
_   . Broncoespasmo
_   . Bradicardia
_   . Vasoconstrição periférica
_   . Insônia
_   . Pesadelos
_   . Disfunção sexual
X. Intolerância à glicose
   X. Hipertrigliceridemia
   X. Elevação do LDL-colesterol
   X. Redução do HDL-colesterol
OBS: caso ele interrompesse o tratamento bruscamente, ele poderia apresentar hiperatividade simpática, com hipertensão rebote e/ou manifestações de isquemia miocárdica.

21) Se você fosse fazer as prescrições de uma dose média de propranolol ou de atenolol, como seriam? (Complete)
Propranolol             140 mg. Tomar um comprimido às 8  e  20 horas
Atenolol                    50 mg. Tomar um comprimido às 10  horas




22) Hidralazina e minoxidil seriam boas opções de associação com o diurético para o Sr. Adauto? Justifique.
Seriam uma opção, pois atuam sobre a musculatura da parede vascular, promovendo relaxamento muscular com consequente vasodilatação e redução da resistência vascular periférica. Devido a vasodilatação arterial direta, promovem retenção hídrica e taquicardia reflexa, o que contraindica seu uso como monoterapia. Assim, a associação com o diurético seria uma opção; OBS: apesar de não ser a melhor opção!  


23) Cite pelo menos três bons motivos para o anlodipino ser a nossa escolha para associação com o diurético.
É um anti-hipertensivo eficaz, reduzindo morbidade e mortalidade cardiovasculares; possui ação anti-anginosa. Além disso, não afeta o metabolismo lipídico e glicídico. Possui ação lenta e duradoura, que é o preferível entre os bloqueadores de canal de cálcio.




24) Cite bons motivos para não prescrever para ele o nifedipino, verapamil e diltiazem.
Podem causar, por exemplo, constipação intestinal (principalmente o Verapamil), edema, cefaléia (mais freqüente do diltiazem), náuseas, tonturas, dispnéia, bradicardia e BAV. E é importante lembrar que o paciente geralmente interrompe o tratamento quando não gosta do medicamento!



25) Os inibidores da ECA reduzem a mortalidade e morbidade dos hipertensos, mas também de outros pacientes, como o Sr. Adauto. Justifique.
Na minha opinião, os iECAs são simplesmente “sensacionais”. Pelo menos é a impressão que tenho deles. Inclusive acho que nesse caso do Sr. Adauto e em muitos outros, seriam minha primeira opção de tratamento, antes mesmo da introdução de diuréticos (eles são eficientes em monoterapia ou em associação com diuréticos ou outros anti-hipertensivos; os diuréticos na verdade até potencializam sua ação). Diminuem a resistência vascular periférica sem causar taquicardia reflexa e sem diminuição do débito cardíaco. Atuam tanto sobre a pré e a pós carga. Aumentam o fluxo renal por ação preferencial de vasodilatação da arteríola eferente -desta forma, podem piorar a filtração glomerular na estenose renal e na IRC. Ocorre aumento de fluxo coronariano e até mesmo cerebral apesar do efeito hipotensor. Diminuem a HVE e são os únicos que aumentam a sensibilidade a insulina. São primeira escolha para o hipertenso diabético, retardam a evolução da nefropatia diabética e a microalbuminuria. Não alteram os lípides. São úteis nos portadores de insuficiência cardíaca com ou sem hipertensão associada, melhorando inclusive a sobrevida da insuficiência cardíaca.


26) O Sr. Adauto apresenta contra-indicações aos inibidores da ECA? Há algum efeito adverso em especial que você acha que deveria ser monitorizado?
O Sr. Adauto não apresenta contra-indicações, mas ele é tabagista e apresenta episódios esporádicos de chieira. Os iECAs podem causar tosse seca, o que poderia “agravar” esses episódios. Assim, talvez seria importante pensar nessa possibilidade.
27) Prescreva para ele uma dose média de captopril e/ou enalapril.
Captopril         75 mg. Tomar um comprimido às    8  ,    15   , e  22   horas
Enalapril         20 mg. Tomar um comprimido às   8    e   20   horas
Quando leu a prescrição, ele perguntou se haveria outra droga da mesma classe com dose única diária, mesmo que fosse um pouco mais cara.
28) Faça para ele uma prescrição de uma dose média de lisinopril.
Lisinopril         10 mg. Tomar um comprimido às  8  horas


Infelizmente o inibidor da ECA provocou bastante tosse seca. No retorno você decidiu trocar por um bloqueador dos receptores AT1 da angiotensina II, pois teria o mesmo perfil de benefícios, com alguns efeitos adversos a menos.
29) Faça para ele uma prescrição de uma dose média de losartan.
Losartan          50 mg. Tomar um comprimido às   8   horas
30) Você trocaria o losartan por alisquireno para o Sr. Adauto? Justifique.
Não. Trata-se de um medicamento relativamente novo; ainda são aguardados os resultados de estudos de desfecho com avaliação do impacto deste medicamento na mortalidade e morbidade cardiovascular e renal. Além disso, frequentemente causa tosse.
Esquemas terapêuticos
Você se lembra quando decidiu reduzir a dose do tiazídico e associar outra droga? Imagine que você apenas decidiu substituir o tiazídico por outro medicamento para uma nova tentativa com monoterapia.
31) Que drogas você poderia empregar como monoterapia?
Os inibidores de ECA muito provavelmente seriam minha primeira opção (como eu já havia dito antes). Outras opções seriam, por exemplo, bloqueadores do receptor de angiotensina e bloqueadores do canal de cálcio. 

32) Quais as vantagens e desvantagens de uma nova tentativa com monoterapia?
Desvantagens: pode ser que a nova droga também não leve aos efeitos desejados, podendo ainda causar efeitos adversos (as vezes até mais que a primeira droga escolhida). E, ainda, pode ser que em um determinado caso, a monoterapia realmente não seja suficiente para alcançar os resultados desejados.
Vantagens: trocando-se a droga, evita-se a elevação da dose da primeira droga escolhida, diminuindo-se as chances de ocorrerem eventos adversos; e pode ser que a nova droga instituída leve aos efeitos desejados, sem causar efeitos adversos. Além disso, em alguns casos, quando se começa a associar medicamentos, o paciente fica “desanimado”, podendo abandonar o tratamento.

33) Cite uma combinação de anti-hipertensivos que poderia ser especialmente prejudicial para o Sr. Adauto em virtude de efeitos adversos no metabolismo de carboidratos.
Betabloqueador + diurético (ex: propranolol + hidroclorotiazida). O emprego da combinação de betabloqueadores e diuréticos deve ser cauteloso em pacientes com, ou altamente predispostos a apresentar, distúrbios metabólicos, especialmente glicídicos.
34) De todas as combinações de anti-hipertensivos que nós analisamos quais são aquelas que você achou mais adequadas para ele? Justifique.
Algumas opções seriam: diurético + inibidor de ECA, diurético + bloqueador de receptor de angiotensina e diurético + bloqueador do canal de cálcio. São associações reconhecidas como eficazes; além de serem as que provavelmente apresentarão melhores resultados nesse caso, sem causar muitos efeitos adversos. Por exemplo, proporcionariam bom resultado anti-hipertensivo sem interferir significativamente no metabolismo de carboidratos e no perfil lipídico.

35)     Em que situação você consideraria a introdução de um 3º anti-hipertensivo ao esquema terapêutico do Sr. Adauto?
Se o resultado obtido for parcial ou nulo mas sem reação adversa; principalmente se já estiver sendo utilizada a dose máxima preconizada, ou próxima disso.

O Sr. Adauto, mesmo com doses plenas de tiazídico, inibidor da ECA e bloqueador de canal de cálcio, persistiu com níveis tensionais elevados.
36)     Você terá que investigar algumas causas de hipertensão arterial resistente. Cite algumas que você “aposta” que são as mais prováveis.
Primeiramente, investigaria se realmente há adesão ao tratamento (se ele realmente está tomando todos os medicamentos, nas doses e horários corretos). Caso sim, avaliaria a presença de fatores que dificultam o controle da pressão arterial, como a não mudança no estilo de vida, por exemplo, não ter perdido peso, ingestão excessiva de sal, álcool, além disso, uso de fármacos com potencial de elevar a pressão arterial, síndrome de apneia obstrutiva do sono e formas secundárias de hipertensão arterial, procedendo à correção destes fatores.


Confira agora a Tabela 6 das diretrizes: interações medicamentosas
37)     Considere todos os medicamentos que o Sr. Adauto está utilizando. Há duas interações medicamentosas que podem estar ocorrendo. Quais são?
-Inibidor de ECA + anti-inflamatório = antagonismo do efeito hipotensor
-Tiazídico + anti-inflamatório = antagonismo do efeito diurético

Confira agora a Tabela 7: determinantes da não-adesão ao tratamento
38)     Você acha que ele está utilizando regularmente os medicamentos?
Já na primeira consulta eu o teria orientado bem, mas mesmo assim não desconsideraria a possibilidade de ele não estar utilizando regularmente os medicamentos.

39)     Considerando o perfil apresentado na descrição do caso clínico, quais seriam as principais medidas para aumentar a aderência dele ao tratamento?
Primeiramente, estabelecer uma boa relação médico-paciente, orientando, esclarecendo dúvidas, diminuindo angústias e receios. Prescrever as doses em horários de forma a não prejudicar a rotina do paciente; e preferencialmente medicamentos de menor custo.

40)     Ao controlar os níveis tensionais, qual deveria ser o intervalo para o retorno? Você solicitaria novos exames? Quais?
Eu marcaria um retorno em até seis meses, solicitando os seguintes exames: hemograma, sódio, potássio, creatinina, uréia, glicemia de jejum, perfil lipídico, ECG, RX tórax, urina rotina.

Fim do estudo dirigido.


[1] Sociedade Brasileira de Cardiologia / Sociedade Brasileira de Hipertensão / Sociedade Brasileira de Nefrologia. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Arq Bras Cardiol 2010; 95(1 supl.1): 1-51.