sexta-feira, 10 de junho de 2011

Fórum de Diabetes



Fórum de Diabetes
1)    Início do tratamento: Após a confirmação do diagnóstico de diabetes do Sr. Adauto, você começou o tratamento farmacológico imediatamente ou resolveu esperar um pouco? Quais foram as suas razões?
Primeiramente, é preciso lembrar que o Sr. Adauto é um paciente que tem precária adesão terapêutica. Por exemplo, as mudanças no estilo de vida, que seriam a “base” terapêutica, não só em relação a DM, mas também para HAS, dislipidemia e obesidade, por exemplo, não foram realizadas por ele. Ele permanece sedentário, com erro alimentar, e inclusive ganhou peso (atualmente, classificado como obeso grau I). Continua fumando, e não parou de ingerir álcool (mas pelo menos reduziu a quantidade). Ou seja, ele apresenta muitos problemas, e muitos fatores de risco para doença cardiovascular. Além disso, ele apresenta níveis consideravelmente elevados de glicohemoglobina, e microalbuminúria, o que também causa preocupação. Portanto, provavelmente eu iniciaria o tratamento farmacológico agora. Porém, é importante lembrar, ainda, que o Sr. Adauto apresenta precária adesão terapêutica também quanto aos medicamentos prescritos. Portanto, provavelmente mesmo receitando, por exemplo, hipoglicemiantes orais, a correta utilização dos mesmos não ocorreria. Assim, além do tratamento farmacológico, insistiria nas mudanças de estilo de vida.
Um ponto importante (e com o qual concordo plenamente) discutido no fórum foi a possibilidade de encaminhar o paciente a um Grupo de Diabetes, o que seria uma boa estratégia para melhorar a aceitação e compreensão da doença, bem como o auto-cuidado.

 2)    Escolha das drogas I: De que forma a “fase do diabetes” em que o Sr. Adauto se encontra influenciou a sua escolha inicial do antidiabético oral?
O Sr. Adauto encontra-se na fase 2 do diabetes e, segundo a SBD, como nessa fase há diminuição da secreção de insulina, é correta a indicação de um secretagogo, possivelmente em combinação com sensibilizadores insulínicos. Como ele é um paciente que apresenta várias outras comorbidades (obesidade, hipertrigliceridemia, dislipidemia,HAS, dentre outras), começaria com a metformina, que é uma ótima opção para se iniciar um tratamento, especialmente nesse caso. Ela tem sua maior ação antihiperglicemiante diminuindo a produção hepática de glicose, acompanhada de ação sensibilizadora periferica mais discreta. E, ainda, apresenta certo efeito anorexígeno, o que contribui em casos de obesidade (como é o caso do Sr. Adauto).
A próxima droga de escolha seria então um secretagogo, por exemplo a glibenclamida. Porém, não iniciaria com essa droga agora, juntamente com a metformina.  O ideal, sempre que possível, é introduzir as drogas lentamente. Assim, provavelmente faria uma reavaliação em cerca de 2 a 3 meses.

3)    Escolha das drogas II: De que forma a combinação dos resultados glicemia=120 mg/dl + glicohemoglobina=8,0% influenciou a sua prescrição?
OBS: É importante ter cuidado com o resultado único de glicemia, que habitualmente é pontual e não reflete a realidade do dia-a-dia. É importante a realização de um "mapa" de glicemias para uma idéia melhor do perfil do paciente. A HbA1c, ao contrário, dá uma idéia do conjunto de glicemias dos últimos 3 meses, sendo melhor como referência para se tomar alguma atitude.
Apesar de a glicemia de jejum estar elevada, ela não se encontra extremamente elevada a ponto de explicar o significativo aumento da glicohemoglobina. Portanto, pensaria em uma hiperglicemia pós-prandial. Mas como foi dito, a glicemia de jejum ainda está elevada; e em janeiro esse valor era bastante elevado (160 mg/dl). Assim, eu provavelmente manteria a metformina, em uma baixa ou média dose, e associaria a glibenclamida (por exemplo, começaria com 2,5 mg/dia, depois 5mg/dia, até no máximo 15 mg/dia). Mas eu associaria a glibenclamida apenas após saber se não há contra-indicação, como IRC e insuficiência hepática. A glibenclamida é uma das opções terapêuticas em casos de hiperglicemia pós-prandial segundo as diretrizes da SBD de 2007. Porém ficaria em dúvida se eu realmente associaria glibenclamida ou se já iniciaria insulinoterapia, associada a metformina. Poderia utilizar, então, além da metformina, insulina de ação rápida ou ultra-rápida. Acho que tentaria inicialmente a glibenclamida mesmo e, caso a HbA1c se mantivesse elevada, o próximo passo seria a insulinoterapia. Porém, provavelmente o paciente apresentaria uma certa resistência quanto ao uso de insulina, que é uma reação muito comum, principalmente em casos de pacientes com baixa adesão terapêutica (que é o caso!). Seria importante, então, uma conversa sobre essa resistência a usar insulina, abordando as vantagens da insulinoterapia. O Grupo de Diabetes provavelmente seria de grande utilidade nessa abordagem.

4)    Efeitos adversos: Como você pode amenizar ou evitar os efeitos adversos dos dois antidiabéticos orais que você prescreveu?
Em relação a metformina, a mesma pode ser ingerida após as refeições, o que pode amenizar ou até mesmo eliminar os efeitos adversos. Além disso, como os efeitos adversos parecem ser dose-dependente, ela pode ser usada em posologia menor que a máxima, com doses pequenas e fracionadas (500 mg TID). E ainda, geralmente esses efeitos adversos ocorrem no início da terapêutica e usualmente regridem espontaneamente com a continuação da terapêutica. Já a glibenclamida deve ser tomada juntamente com a refeição, geralmente com a primeira refeição significativa do dia.

Estudo dirigido de tabagismo



Leia os dois casos clínicos abaixo e as perguntas que fizemos sobre eles. Mas não comece a responder ainda. Depois de analisar bem os dois casos, abra os textos “Tabagismo Diretrizes para cessação do– 2008[1]” e “Tabagismo Consenso sobre o tratamento da dependência de nicotina[2]”. Para resolver os dois casos clínicos, você deverá ler exclusivamente o trecho “Abordagem terapêutica: farmacoterapia”, que começa na página 851 das diretrizes e “Farmacoterapia” que começa na página 206 do consenso. Durante a leitura, tente identificar as características dos pacientes dos casos clínicos.

1     caso clínico – paciente com poucos recursos ($)
Leia com atenção o caso do paciente abaixo. Você conhece alguém como ele?
O Sr. Carlton Souza Cruz, 37 anos, compareceu ao seu consultório para um exame periódico de saúde. Ele encontra-se assintomático e tem hábitos de vida saudáveis no que se refere à alimentação, prática de atividade física e prevenção de doenças.
Seu único problema é o tabagismo. Ele fuma 30 a 40 cigarros por dia desde os 22 anos. Acende o primeiro cigarro ao se levantar da cama pela manhã – este é o cigarro que mais gosta - e tem deixado de frequentar locais públicos onde é proibido fumar. Ele fuma a maioria dos cigarros ainda de manhã, e mesmo quando está gripado não interrompe seu hábito.
Você perguntou se ele deseja parar de fumar e ele disse que acha que deveria, mas crê que não conseguirá, pois já tentou uma vez com “chicletes de nicotina antes do desjejum, almoço e jantar” e não teve resultados.


1)    Você acha que este é um bom momento para orientar o paciente e propor o tratamento farmacológico? Justifique.
OBS: No Teste de Fagerström de dependência à nicotina, ele atinge cerca de 10 pontos, ou seja, ele apresenta um grau de dependência muito elevado!
Sim, claro! O paciente encontra-se no estágio contemplativo, em que há conscientização de que fumar é um problema, porém associada a um sentimento de ambivalência quanto a perspectiva de mudança. Além disso, já foi demonstrado que o simples aconselhamento acerca do abandono do tabagismo pelo profissional de saúde aumenta a chance de sucesso, em comparação a nenhuma intervenção!

Você orientou o paciente quanto aos benefícios de deixar de fumar, ensinou estratégias para enfrentar a abstinência e convidou-o para participar de um grupo de suporte psicológico. Ele marcou uma data para interromper o hábito e retornou em duas semanas para receber sua prescrição.
Ele não tem muitos recursos financeiros, percebeu que usou a goma de mascar com nicotina de forma inadequada na 1ª vez e quer tentar de novo.
2)    Ele tem alguma contra-indicação à terapia de reposição da nicotina? Explique.
Aparentemente não. As principais contra-indicações são: coronariopatia, arritmias cardíacas graves, e uso com cautela em casos de diabetes mellitus, hipertireoidismo e feocromocitoma.

3)    Faça uma prescrição de goma de mascar com nicotina utilizando o nome comercial, a dose, e ensinando detalhadamente como utilizar. Escreva na prescrição a duração provável do tratamento e a data do primeiro retorno.
Uso oral:
Nicorette (goma de nicotina) ___________________4 mg
Mascar 1 goma a cada 1-2h ou quando sentir fissura. Mascar até sentir o sabor característico e, então, repousar a goma entre a gengiva e a bochecha, fazendo isso durante 30 minutos. Não ingerir bebidas nem alimentos 15 minutos antes ou durante a  administração. Tentar mascar cerca de 8 a 12 gomas por dia, não ultrapassar 24 gomas por dia.  Duração do tratamento: até 12 semanas.
Retorno : após 15 dias(??).

4)    Que efeitos adversos podem ocorrer?
Artralgia têmporomandibular, doenças gengivais e periodontais, como dentes amolecidos, aftas, sialorréia, soluços, sintomas dispépticos, irritação faríngea, náuseas e cefaléia. O uso concomitante do tabaco (ou doses altas do medicamento) pode levar à intoxicação nicotínica, cujos sintomas são: náusea, salivação, palidez, dor abdominal, sudo­rese, cefaléia, tontura, tremores, etc.

No dia seguinte o Sr. Carlton retornou. Ele disse que está muito ansioso com a idéia de parar de fumar. Está com receio da goma de nicotina não ser suficiente e disse que um amigo conseguiu parar de fumar tomando “uns comprimidos” que conseguia no centro de saúde.
Ele quer saber se pode usar os comprimidos e a goma de mascar ao mesmo tempo.
5)    Associar nortriptilina ao tratamento trará algum benefício adicional? Explique.
Sim, estudos indicam que a terapia combinada é mais efetiva que a Terapia de Reposição de Nicotina isolada. Apesar de ser considerado um fármaco de 2ª linha no tratamento de abandono do tabagismo, existem vários estudos que comprovaram a eficácia da nortriptilina para esse fim. Além disso, a associação é uma boa opção em casos de insucesso com a monoterapia, como é o caso. Considerando que o Sr. Carlton não dispõe de muitos recursos financeiros, a nortriptilina pode ser uma ótima opção terapêutica.
6)    Confira o preço do medicamento em “http://www.consultaremedios.com.br/”.
Caixa com 20 comprimidos de nortriptilina (25 mg) : R$ 11,17.

7)    Faça uma prescrição de nortriptilina, incluindo o aumento gradativo das doses e a data em que ele deverá tentar parar de fumar.
Uso oral:
Cloridrato de Nortriptilina ____25 mg _____uso contínuo (Validade: 3 meses)
Tomar 1 comp. de manhã, durante 1 semana. A partir do 8º dia, tomar 1 comp. de manhã e 1 comp. 12 horas depois, durante 1 semana. A partir do 15º dia, tomar 1 comp. de manhã, 1 à tarde e 1 à noite, com intervalo de 8 horas entre cada dose.
Parar de fumar após 28 dias de tratamento (se ainda não tiver parado).     
      
caso clínico – paciente com recursos ($)
Um ano depois...
A Sra. Derby Hilton Slims, 42 anos, compareceu à consulta por indicação do amigo Carlton, que parou de fumar com a sua ajuda no ano passado. A história dela é semelhante à dele, incluindo o escore máximo no Teste de Fagerström. As únicas diferenças são que ela já sabe tudo sobre abstinência, incluindo várias dicas para enfrentá-la, e tem condições de comprar medicamentos mais caros se for preciso.
Ela quer parar de fumar amanhã, aniversário de 10 anos da morte do seu pai, que faleceu com carcinoma broncogênico associado ao tabagismo. O problema é que ela vai viajar para outro estado e só retorna em quatro meses.

8)    Faça uma prescrição de adesivo de nicotina, utilizando o nome comercial, a dose (comece pela máxima), e ensinando detalhadamente como utilizar. Escreva na prescrição como poderá ser feita a redução da dose e qual deverá ser a duração provável do tratamento.
Uso transdérmico:
01)Niquitin (adesivo de nicotina) ________________ 21 mg
Aplicar ao acordar, sobre pele sem pêlos, em região torácica, 2 adesivos, diariamente, por 2 semanas. Retirá-los à noite, ao deitar. A partir da 3ª semana, reduzir para 1 adesivo por dia, durante 2 semanas. Fazer um rodízio quanto ao local da aplicação.
02)Niquitin (adesivo de nicotina) ________________  14 mg
A partir da 4ª semana, aplicar, sobre pele desprovida de pêlos, em região torácica, ao acordar, 1 adesivo por dia, durante 4 semanas. Retirá-lo à noite, ao deitar.
03)Niquitin (adesivo de nicotina) ________________  7 mg
A partir da 9ª semana, aplicar, sobre pele desprovida de pêlos, em região torácica, ao acordar, 1 adesivo por dia, durante 2 semanas. Retirá-lo à noite, ao deitar.
Duração do tratamento: 8 a 10 semanas.    
9)    Que efeitos adversos podem ocorrer?
Reações cutâneas locais, como prurido, eritema, bolhas e infiltração da derme, hipersalivação, insônia, náuseas e vômitos. Lembrando que o uso concomitante do tabaco pode levar à intoxicação nicotínica, cujos sintomas são: náusea, salivação, palidez, dor abdominal, sudo­rese, cefaléia, tontura, tremores, etc.


Como você já esperava, ela retornou em três meses com más notícias. Tudo ia bem com a dose de 21 mg nas primeiras três semanas. Ela utilizou o adesivo de 14 mg por mais três semanas, e passou para o de 7 mg. Mas em vez de manter o medicamento até retornar a consulta, conforme a sua orientação, ela achou que já estava “livre do vício” e parou de usar depois de duas semanas.
No dia de voltar para casa, no aeroporto, após ser informada sobre o cancelamento do vôo, não resistiu e voltou a fumar.
Ela ficou bastante deprimida com o insucesso; tem dormido mal, está ansiosa o dia inteiro e ganhou peso.
10) A Sra. Derby tem alguma contra-indicação à utilização de bupropiona? Ou pelo contrário, seria uma droga bem indicada agora?
Seria uma boa indicação agora. A Bupropiona é um medicamento de 1ª linha no tratamento não-nicotínico; houve insucesso com a monoterapia, e parece que a Sra. Derby não possui contra-indicações. Mas mesmo que a paciente seja “hígida”, é importante excluir, na anamnese, cada uma das contra-indicações antes de prescrever o fármaco.  As principais são: ABSOLUTAS: epilepsia, história pregressa de convulsões na infância, tumores do SNC, traumatismo craniano, RELATIVAS: hipertensão arterial não controlada, uso de IMAO nos últimos 15 dias, uso de hipoglicemiantes orais ou insulina, de anticonvulsivantes, de antipsicóticos ou de corticosteróides sistêmicos.

11) Confira o custo mensal (60 comprimidos de 150 mg por mês) em “http://www.consultaremedios.com.br/”.
Custo mensal (com o genérico): R$ 127,12.

12) Ela poderia ser associada ao adesivo de nicotina?
Sim. Estudos indicam que a associação é bastante efetiva na cessação do tabagismo. Mas os resul­tados também sugerem que, embora a terapia combinada seja melhor do que a TRN sozinha, ela foi equiva­lente apenas à monoterapia com bupropiona.

13) Faça a prescrição de bupropiona citando a dose. Lembre que nos primeiros três dias a dose é menor, e que a última dose do dia não deve ser tarde, para não provocar insônia. Durante quanto tempo ela deverá utilizar a droga?
Uso oral:
Cloridrato de bupropiona ­­____________150 mg ___________ 180 comp.
Tomar 1 comp. por dia, de manhã, por 3 dias. A partir do 4º dia, tomar 1 comp. de manhã e 1 comp. até as 16h. Parar de fumar depois de 1 semana de tratamento.
Duração do tratamento: até 12 semanas.   
Nas semanas seguintes a paciente retornou quatro vezes ao consultório sem fumar, utilizando a bupropiona regularmente, mas queixando-se de “tontura”. A princípio vocês acreditaram que era um sintoma de abstinência. Mas depois de 40 dias sem melhora ela decidiu que não vai continuar o tratamento. Ela ainda tem muita vontade de fumar, e com certeza voltará ao hábito se não tomar nenhum medicamento.
14) A Sra. Derby tem alguma contra-indicação à utilização de vareniciclina? Ou pelo contrário, seria uma droga bem indicada agora?
Aparentemente não. As contra-indicações ao uso da vareniclina são: ABSOLUTAS: insuficiência renal grave e hipersensibilidade ao fármaco. Essa seria uma ótima opção, já que constitui terapia de 1ª linha para cessação do tabagismo e a paciente dispõe de recursos financeiros para custear o tratamento.

15) Confira o custo do “kit tratamento completo”, para três meses, em “http://www.consultaremedios.com.br/”.
R$ 1.085,24!!!

16) Faça a prescrição de vareniciclina, descrevendo em detalhes o aumento de dose da 1ª semana.
Uso oral:
01)Tartarato de vareniclina __________0,5 mg __________11 comprimidos
Tomar 1 comp. por dia, de manhã, por 3 dias. Do 4º ao 7º dia, tomar 1 comp. de manhã e 1 comp. 12 horas depois.
02)Tartarato de vareniclina ___________1 mg _________154 comprimidos
A partir do 8º dia, tomar 1 comprimido de manhã e 1 comp. 12 horas depois, por 77 dias.

17) Se ela precisar de um “kit reforço”, por mais três meses, qual será o preço?
R$ 1.085,24 também!!!
Fim do caso clínico.


[1] Reichert J, Araújo AJ, Gonçalves CMC, Godoy I, Chatkin JM, Sales MPU et al. Diretrizes para cessação do tabagismo – 2008. J Bras Pneumol. 2008;34(10):845-880.
[2] Marques ACPR et al. Consenso sobre o tratamento da dependência de nicotina. Rev Bras Psiquiatr 2001;23(4):200-14.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

5o tema da grade flexível: Ansiedade

1     caso clínico – ansiedade generalizada
Leia o caso clínico abaixo. Você concorda com o diagnóstico de Transtorno de Ansiedade Generalizada? Você atende pacientes com estas queixas?
É muito comum aparecerem pacientes com múltiplas queixas nos consultórios, muitas vezes com quadros extremamente parecidos com o desse paciente, e muitos desses pacientes não recebem o diagnóstico específico. Geralmente esses pacientes “acabam sobrecarregando os serviços de saúde ao se consultarem trazendo queixas somáticas que, na realidade, representam a exteriorização de sintomas psíquicos”. Mas o diagnóstico desse transtorno requer uma avaliação rigorosa, por exemplo, pesquisa de uso de substâncias ou medicamentos, transtornos psicóticos ou de humor, bem como de algumas doenças orgânicas (endocrinopatias, por exemplo), potenciais causas das manifestações de ansiedade. O quadro apresentado pelo paciente é muito sugestivo desse transtorno, porém, antes de se “fechar” um diagnóstico, deve-se excluir essas possíveis condições.
O Sr. Pacífico Leão, 53 anos, coordenador do setor de contabilidade da Construtora Desvios, veio se consultar com queixa de “tonteiras”. Ele tem crises frequentes de sensação de “cabeça vazia”, associada à cefaléia holocraniana leve, nucalgia, palpitações, sudorese e sensação de respiração curta. O quadro é quase diário, mas sempre piora no final do mês, período de fechamento do balanço financeiro. Neste período também fica irritado, tem crises de agressividade, percebe “o intestino mais solto”, apresenta dificuldade para se concentrar no trabalho e para dormir à noite. Para melhorar a concentração acaba tomando vários cafezinhos durante o dia, e para dormir à noite vem utilizando um comprimido de clonazepam de 2 mg. No ano passado, quando começou o clonazepam, o comprimido de 0,5 mg era suficiente; depois passou a precisar de metade do comprimido de 2 mg, e agora toma o comprimido inteiro, todas as noites.
Embora ele nunca tenha errado em seus relatórios contábeis, estes episódios de mal estar prejudicam muito a sua qualidade de vida.
O quadro é bem menos intenso durante as férias, mas o Sr. Pacífico “não consegue desligar”: ou está preocupado com o transito na estrada no dia da volta, ou com a possibilidade de encontrar uma fila muito grande no restaurante onde pretende almoçar.


1)    O quadro de ansiedade do Sr. Pacífico parece ser patológico, diferente da ansiedade que acomete a maioria das pessoas? Justifique.
Sim. É comum que as pessoas fiquem ansiosas com determinadas situações, como realização de provas, conclusão de algum trabalho no emprego, etc. Mas essa ansiedade geralmente não prejudica o desempenho do indivíduo, podendo até mesmo “motivá-lo” de certa forma. Mas esse não é o caso em questão. O paciente apresenta uma ansiedade muito mais intensa, que chega a prejudicar seu desempenho e o seu dia-a-dia, como levar a uma dificuldade de se concentrar no trabalho, dificuldade para dormir, e o quadro inclusive permanece durante as férias, tudo isso prejudicando muito sua qualidade de vida.

2)    Você acha que, além da psicoterapia, ele poderá se beneficiar do tratamento farmacológico? Justifique.
Sim. O quadro prejudica muito a qualidade de vida do paciente, e estudos demonstram que a combinação psicoterapia+tratamento farmacológico é mais eficaz que uma das abordagens isoladamente.

3)    Segundo os textos, que drogas são comprovadamente eficazes para o tratamento do Sr. Pacífico?
Paroxetina (ISRS), Escitalopram (ISRS), Venlafaxina (IRSN), Buspirona, e benzodiazepínicos (curtos prazos!). Imipramina (tricíclico) como 2ª escolha.
DÚVIDA: eu poderia utilizar beta-bloqueadores em dose baixa para alívio de palpitações e sudorese?? E a Sertralina seria uma boa opção? Porque de acordo com o artigo de 2010, ela não seria uma opção..

4)    Que fenômeno tem ocorrido com relação à eficácia do benzodiazepínico utilizado pelo paciente? Isto era esperado?
O uso prolongado dos benzodiazepínicos pode causar tolerância, levando a necessidade de doses cada vez maiores, como foi o que aconteceu nesse caso.

5)    Considere os efeitos adversos dos medicamentos recomendados pelos textos e escolha uma droga para o tratamento do paciente. Faça uma prescrição com o nome genérico, dose e modo de usar.
Uso oral:
Cloridrato de Paroxetina______________40mg______________ 30 cp/mês
Tomar 1 comp. pela manhã.

6)    Em quanto tempo ele começará a obter os benefícios do medicamento?
Geralmente, os benefícios começam a aparecer depois de algumas semanas de tratamento (cerca de 2 a 4 semanas). E, geralmente, a resposta plena é alcançada com cerca de 2 a 3 meses de tratamento.

7)    Em quanto tempo ele já perceberá os efeitos adversos do medicamento? Quais são os efeitos adversos mais prováveis?
Os efeitos adversos podem surgir logo após o primeiro comprimido, ou com poucos dias de tratamento. No caso da Paroxetina, que é um ISRS, os efeitos adversos mais comuns são ansiedade ou agitação iniciais, náuseas e/ou diarréia, cefaléia (o que se restringe às primeiras semanas de uso), disfunção sexual, tremores. A longo prazo, a Paroxetina pode ainda causar ganho de peso.

8)    O que fazer para evitar que ele abandone o tratamento neste período?
É de extrema importância estabelecer uma boa relação médico-paciente, e explicar que os efeitos adversos tendem a diminuir ou até mesmo desaparecer com a terapia prolongada; e que os efeitos terapêuticos podem demorar até cerca de 8 semanas para se manifestarem. Pode-se solicitar retorno para avaliação em cerca de um mês.

9)    Durante quanto tempo ele deverá manter o tratamento?
Geralmente o tratamento é mantido por no mínimo um ano.

10) Qual deverá ser a sua conduta de longo prazo com relação ao clonazepam?
O Clonazepam deve ser suspenso, mas essa suspensão não pode ser abrupta pelo risco de sintomas de abstinência. Deve-se fazer uma redução gradual da dose até a retirada completa do medicamento.

11) Três meses depois de utilizar regularmente sua prescrição, ele voltou com sintomas de ansiedade ainda intensos. Sugira uma 2ª opção de tratamento, citando o nome genérico, dose e modo de usar.
Uso oral:
Cloridrato de Venlafaxina __________25mg                     90 cp/mês
Tomar 1 cp. de 8/8 hs.
DÚVIDA: eu poderia tentar um outro ISRS, com o Escitalopram, em vez de trocar de classe? Ou o ideal é já trocar a classe do medicamento? Porque de acordo com o artigo de 2010, eu poderia apenas trocar para um outro medicamento da mesma classe.






2     caso clínico – Fobia ou ansiedade social
Maria da Assunção Crucificada, 48 anos, trabalha como digitadora na empresa Lexaton. Funcionária exemplar, ela foi convidada para trabalhar na recepção da diretoria, ganhando o dobro do salário. Ao receber o convite deu um grande sorriso falso para o chefe, aceitou (com medo de ser demitida se recusasse) e passou o restante da semana sem dormir.
Na última vez em que trabalhou com público ela quase morreu. Achava que os clientes estavam observando seus gestos e fazendo comentários maldosos sobre a sua maneira de agir. Evitava olhar diretamente para os clientes e, com o comportamento modificado por estes receios, acabava por agir de maneira realmente diferente, o que aumentava seu medo de ser criticada. Ela percebia a face enrubescer e sabia que os clientes percebiam que ela estava suando mais do que deveria. Passou a ter uns “brancos” em que não conseguia se lembrar de perguntas básicas, como o horário de funcionamento da empresa. E passou a temer antecipadamente os brancos. A única hora do dia em que estava tranqüila era logo após bater o ponto da saída, quando caminhava sozinha e pegava o metrô para casa. Mas todos os dias, ao acordar, ela já sentia o coração bater mais forte com receio de ser ridicularizada, em plena recepção, no meio do público e das colegas. A história não terminou bem: passou a tomar uma dose de Campari antes de ir trabalhar, outra no almoço, e em pouco tempo foi demitida.
Passou meses em casa, morando apenas com sua mãe, já idosa e bastante surda. Seu enorme desejo de se relacionar com as pessoas, só era menor que seu medo de se expor em público. Quando finalmente recebeu um telefonema oferecendo o emprego de digitadora achou que sua vida mudaria. A alegria de trabalhar não durou mais que dois anos, e terminou naquela tarde, naquele sorriso falso para o chefe.
Na farmácia do bairro o balconista receitou bromazepam de 3 mg, para tomar ½ comprimido antes de ir trabalhar. Antes de começar sua nova função e o medicamento ela decidiu se consultar com você.


12) O quadro de ansiedade da Sra. Assunção parece ser patológico, diferente da ansiedade que acomete a maioria das pessoas? Justifique.
Sim. É comum que as pessoas tenham, por exemplo, certo temor de apresentações em público, mas geralmente conseguem disfarçar bem, contornar a situação e realizar a tarefa, sem grandes comprometimentos da qualidade dessa tarefa. E o mesmo ocorre no âmbito das relações sociais. Mas esse não é o caso em questão. O desempenho da paciente é prejudicado, ela chega a mudar de atitude, e inclusive já chegou a ser despedida do seu emprego. Ou seja, devido ao seu quadro, há um grande comprometimento da sua vida profissional, e provavelmente da sua vida social também. “A evolução do transtorno de ansiedade social vai limitando cada vez mais a vida da pessoa e pode gerar complicações como o abuso e dependência de álcool ou depressão”, como foi o que aconteceu com essa paciente.

13) Você acha que, além da psicoterapia, ela poderá se beneficiar do tratamento farmacológico? Justifique.
Sim. O quadro prejudica muito a qualidade de vida da paciente, e estudos demonstram que a combinação psicoterapia+tratamento farmacológico é mais eficaz que uma das abordagens isoladamente.

14) Segundo os textos, que drogas são comprovadamente eficazes para o tratamento da Sra. Assunção?
Paroxetina (IRS), Fluoxetina, Sertralina, Escitalopram, Fluvoxamina, Venlafaxina (IRSN), Clonazepam, Alprazolam, Bromazepam (BZP, por curtos períodos, ou somente antes da exposição a situações desencadeadoras do quadro).
DÚVIDA: também nesse caso, eu poderia utilizar beta-bloqueador em dose baixa antes das situações desencadeadoras do quadro??

15) A “prescrição” do balconista foi adequada? Quais serão os benefícios e riscos de utilizar o benzodiazepínico no curto e longo prazo?
A prescrição do balconista foi inadequada, uma vez que há pouca evidência por ensaios clínicos que demonstrem sua eficácia. Os benzodiazepínicos são medicamentos úteis, porém de 2ª linha para o tratamento de Ansiedade Social, não só porque os ISRSs são mais bem estudados, como porque os BZPs apresentam potencial de desenvolvimento de tolerância e dependência com o uso prolongado. Os BZPs podem ser utilizados esporadicamente, isto é, uso ocasional, atenuando os sintomas de forma imediata. Mas podem causar sedação excessiva, efeito depressor sobre o Sistema Nervoso Central potencializado pelo consumo de bebidas alcoólicas, prejuízo de funções cognitivas, disfunção psicomotora e sexual, bem como toxicidade comportamental (“ansiedade paradoxal”- agressividade ou irritabilidade).

16) Você sabia que há comprimidos de bromazepam de 3 e 6 mg? E de alprazolam de 0,5, 1 e 2 mg? E de clonazepam de 0,5 e 2 mg? Qual seria a razão?
Sim. Provavelmente há essa variedade de apresentação quanto a posologia devido a possibilidade do desenvolvimento de tolerância com o uso prolongado desses medicamentos, o que ocorre muito comumente.

17) Considere os efeitos adversos dos medicamentos recomendados pelos textos e escolha uma droga (diferente da que o Sr. Pacífico utilizou) para o tratamento da paciente. Faça uma prescrição com o nome genérico, dose e modo de usar.
Uso oral:
Cloridrato de Sertralina                            25 mg                             60cp/mês  
Tomar um comp. pela manhã durante uma semana. Depois de uma semana, tomar 2 comp. pela manhã.

18) Em quanto tempo ela começará a obter os benefícios do medicamento?
Geralmente, os benefícios começam a aparecer depois de algumas semanas de tratamento (cerca de 4 semanas, podendo haver melhora gradual até cerca de 12 semanas).
19) Em quanto tempo já perceberá os efeitos adversos do medicamento? Quais são os efeitos adversos mais prováveis?
Os efeitos adversos podem surgir logo após o primeiro comprimido, ou com poucos dias de tratamento. No caso da Sertralina, que é um ISRS, os efeitos adversos mais comuns são ansiedade ou agitação iniciais, náuseas e/ou diarréia, cefaléia (o que se restringe às primeiras semanas de uso), tremores, boca seca, sudorese, tonturas.

20) O que fazer para evitar que ela abandone o tratamento neste período?
É de extrema importância estabelecer uma boa relação médico-paciente, e explicar que os efeitos adversos tendem a diminuir ou até mesmo desaparecer com a terapia prolongada; e que os efeitos terapêuticos podem demorar até cerca de 4 semanas para se manifestarem. Pode-se solicitar retorno, então, para avaliação em cerca de um mês e/ou 3 meses.

21) Durante quanto tempo ela deverá manter o tratamento?
O tratamento deve ser mantido por 2 anos, para reduzir o risco de recaídas.

22) Imagine que quando você propôs sua prescrição para ela, ela comentou: “Já tomei este medicamento uma vez e passei muito mal. O Sr. poderia me prescrever outro?” Qual seria uma 2ª opção?
Uso oral:
Cloridrato de Venlafaxina __________25mg                     90 cp/mês
Tomar 1 cp. de 8/8 hs.

Fim do caso clínico.


[1] Associação Brasileira de Psiquiatria. Transtornos de Ansiedade: Diagnóstico e Tratamento. Projeto Diretrizes da Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina, 2001.
[2] Ramos RT. Transtornos de Ansiedade. Revista Brasileira de Medicina 66(11):365-74, 2009.
[3] Mochcovitch MD, Crippa JAS, Nardi AE. Transtornos de Ansiedade. Revista Brasileira de Medicina 10(67):390-9, 2010.