sábado, 4 de junho de 2011

Estudo dirigido de tontura

Leia atentamente e analise bem os dois casos clínicos abaixo. Depois abra e leia “Tontura - Tratamento Medicamentoso”. Durante a leitura, tente identificar as características dos pacientes. Em seguida responda as perguntas do estudo dirigido. Para o 1º caso clínico você deverá conferir também os vídeos “Tontura - Teste de Dix-Hallpike” e “Tontura - Manobra de Epley. Para o 2º caso clínico será bastante útil assistir à aula Tontura-Tratamento medicamentoso.

1     Caso clínico: Adauto pressorio
Você se lembra do Sr. Adauto Pressório?! Ele tem 50 anos e é hipertenso, diabético e obeso. Trabalha como taxista. Leia com atenção o caso.
O Sr. Adauto Pressório te procura porque começou com vertigem há cerca de um mês que “aparece e desaparece”, dependendo do movimento que ele faz com a cabeça. Ele não tem conseguido se concentrar nas suas atividades diárias por causa do medo da tontura aparecer.
Tudo começou quando Sr. Adauto foi trocar a lâmpada da cozinha. Quase caiu da escada! O mundo começou a rodar e, desde então, sempre que move a cabeça no sentido antero-posterior tem a sensação rotatória, que dura só cerca de um minuto, mas que é muito forte. Ele estava com medo de estar tendo um “derrame”. Mas a vizinha, Dona Joaquina, tranqüilizou-o. Já conhecia aquela “doença”, pois ela sofria do mesmo tormento. Disse que era “labirintite”. Receitou para o Sr. Adauto um “remedinho” que ela vinha tomando há muitos meses: cinarizina.
Como o Sr. Adauto não estava com tempo para ir ao médico, pois era fim de ano, época em que fazia mais dinheiro na profissão, começou a tomar a medicação por conta própria. O balconista da farmácia orientou-o para tomar 1 comprimido de 25mg de 8 em 8 horas.
Depois de 15 dias de estar tomando a cinarizina, Sr. Adauto continuava com a “labirintite”. Ele estava se sentindo triste e desanimado. Para complicar, a glicose tinha começado a subir e ele não sabia o motivo. Seguia o regime que você tinha indicado e estava tomando os remédios. Só não estava indo no “grupo de diabetes” do Centro de Saúde porque não tem tempo.
Contou que fez uma “corrida” para um cliente antigo do Taxi que também tinha tontura. Conversaram durante o trajeto e Sr. Adauto aprendeu que Ginkgo biloba é um “santo remédio” para labirintite. Vem das plantas, é muito usado na China e não faz mal algum. Resolveu começar a tomar.
Você aborda as características da tontura quanto ao tempo de duração, intensidade, fatores agravantes, atenuantes e medicamentos em uso. Veja no quadro os medicamentos que Sr. Adauto vem tomando.

Hidroclorotiazida
25 mg/ pela manhã
Enalapril
20 mg/12 em 12 horas
Sinvastatina
20 mg, junto com a dose noturna do enalapril
Ácido acetil-salicílico
100 mg na hora do almoço
Metiformina
850 mg/ 12 em 12 horas
Cinarizina
25 mg/ 8 em 8 horas
Ginkgo biloba
80 mg/ 12 em 12 horas
Leia agora o texto “Tontura - Tratamento Medicamentoso. Tente responder as perguntas a seguir.
1-1     Faça uma lista com os efeitos adversos da cinarizina e da Gingko biloba. Marque aqueles que podem ser observados no relato do Sr. Adauto Pressório.
Cinarizina: a curto prazo, pode ocorrer sedação, ganho de peso, náuseas, vômitos, desconforto epigástrico e, principalmente na população geriátrica, pode causar quedas; a longo prazo, pode ocorrer depressão e parkinsonismo.
Ginkgo biloba: a associação com acido acetilsalicílico pode provocar hemorragias, como hemorragia craniana.  Podem ocorrer crises epilépticas devido ao efeito tóxico do ácido ginkgólico. Pode ainda causar náuseas, vômitos, flatulência, reações alérgicas (por exemplo, em caso de uso de cápsulas oferecidas com as folhas secas da Ginkgo biloba maceradas).



1-2     Porque a associação Gingko biloba com ácido acetilsalicílico é perigosa para o paciente, sendo formalmente contra-indicada?
O Gingko biloba apresenta ação de antiagregação plaquetária, assim como o ácido acetilsalicílico. Portanto, esse efeito aditivo pode causar sérias conseqüências, como hemorragia craniana.

1-3     Além de causar parkinsonismo, porque a cinarizina ou a flunarizina não devem ser prescritas para idosos?
Em pacientes idosos, esses supressores da função vestibular, isoladamente ou interagindo com outras drogas,  podem piorar os sintomas labirínticos. Além disso, a sedação aumenta o risco de quedas na população geriátrica e favorece a ocorrência de depressão.


1-4     Qual é a melhor indicação para se prescrever a cinarizina ou a flunarizina: vertigem aguda ou crônica? Justifique.
Vertigem aguda. O uso crônico de medicamentos que inibem a função vestibular aumenta o risco de queda no idoso e inibe a compensação vestibular. Assim que houver melhora da crise, convém suspender essa classe de drogas.



Atenção: Embora a Ginkgo biloba seja um dos fitoterápicos mais prescritos, a literatura carece de estudos confiáveis que dêem suporte para seu uso na prática clínica. Logo, este medicamento não deve fazer parte do seu arsenal terapêutico.
Reflita sobre os interesses da indústria farmacêutica na prescrição médica.

A suspeita diagnóstica para a tontura do Sr. Adauto é “vertigem posicional paroxística benigna (VPPB)”. Procure na Wikipédia sobre esta causa de vertigem (http://pt.wikipedia.org/wiki).

Agora abra e assista aos vídeos “Tontura - Teste de Dix-Hallpike” e “Tontura - Manobra de Epley”. Treine a execução com colegas e discuta com eles as dificuldades que você encontrou.



Após fazer o teste de Dix-Hallpike, você confirma que o diagnóstico da vertigem do Sr. Adauto é VPPB. Faz a manobra de reposição para tratar a VPPB e diz para o Sr. Adauto para suspender a cinarizina e a Ginkgo biloba e retornar em 15 dias para você avaliar se a “labirintite” melhorou.
Sr. Adauto retorna após 15 dias e está satisfeito porque a labirintite tinha resolvido. Ele informa, contudo, que não teve coragem de parar de tomar a cinarizina e a Ginkgo biloba. Disse que tem pânico só de pensar que a labirintite pode voltar e que “tem certeza” de que os remédios ajudam a prevenir labirintite. Argumenta que tem muitos amigos/parentes que tomam esses dois medicamentos. Está irredutível quanto à suspensão.
Perguntado sobre outras queixas, informa que continua com dificuldade para controlar a glicose, que está ganhando peso, apesar do regime alimentar e que tem estado triste ultimamente. Pede para você prescrever “Diazepan” porque uma vizinha, Dona Josefina, disse para ele que este remédio “melhora tristeza e faz agente dormir bem”.
1-5     Use no mínimo três argumentos com base nos efeitos adversos e interação medicamentosa da cinarizina e da Ginkgo biloba que convençam Sr. Adauto sobre a necessidade de suspender tais medicações.  
São vários os motivos para que ele suspenda tais medicações:
1-   A cinarizina pode estar relacionada a “tristeza” e ao ganho ponderal relatados pelo Sr. Adauto.
2-  Ela pode, ainda, causar sedação. Como o paciente é taxista, esse efeito adverso é particularmente temível.
3-  O uso prolongado desse medicamento pode, ao invés de melhorar, piorar a vertigem.
4-   A ginkgo biloba, quando combinada ao ácido acetilsalicílico, aumenta o risco de hemorragias.
5- A ginkgo biloba pode causar reações alérgicas e até mesmo crises epilépticas.


1-6  Sobre a demanda do Sr. Adauto por diazepam, faça uma avaliação crítica, com base na farmacologia e na farmacocinética, sobre o uso desse benzodiazepínico como indutor de sono e como antidepressivo.
O diazepam pertence a classe dos benzodiazepínicos, sendo de meia-vida longa. Esse aspecto farmacocinético explica a maior tendência a efeitos adversos do diazepam em comparação com outros fármacos da mesma classe de menor tempo de meia-vida. Atua como agonista dos receptores GABA, sendo ansiolítico e hipnótico. Os benzodiazepínicos não possuem ação antidepressiva propriamente dita. Inclusive, constituem uma causa de depressão secundária, podendo ainda causar sonolência, cansaço, hipotensão, tremor, cefaléia, náuseas, alterações visuais, dentre outros. É importante lembrar que esses fármacos induzem tolerância, dependência química e psíquica. Em associação com a cinarizina, o efeito depressor sobre o Sistema Nervoso Central pode ser potencializado. Há que se considerar ainda, alguns efeitos adversos que podem ser particularmente perigosos para o Sr. Adauto, que é taxista, que são a diminuição da atenção e de habilidades motoras.  



2     Caso clínico: tontina da silva
Leia o caso de Tontina da Silva: 21 anos, universitária, filha única, boa saúde.
Você está de plantão na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Distrito Norte. Chega a paciente amparada pelos pais. Eles já chegam chorando, completamente histéricos. – Minha filha está tendo “ataque dos nervos”, diz o pai! – entortou a boca e não pára em pé de tanta tontura!!
Você, tranqüilo, confere os sinais vitais. Tudo Ok. Já na inspeção, observa que Tontina está com paralisia facial esquerda. Pergunta quando tudo começou. Os pais informam que há cerca de 4 horas. Ela estava bem quando, de repente, começou a ver tudo rodar. Veio enjôo, suor frio. Tontina vomitou e ao lavar a boca, sentiu que não conseguia conter o líquido ao bochechar.
No exame físico, você observa que Tontina tem um nistagmo que bate para o lado direito. A prova de Romberg mostra queda para o lado esquerdo. Com exceção do facial, todos os outros pares cranianos estão normais. O exame neurológico também está normal.
2-1     Leia o item “neuronite vestibular” no texto “Tontura: tratamento medicamentoso”. Com base nas informações, defina o tratamento.
O tratamento da neuronite vestibular consiste em prednisona por 3 semanas (dose diária: 1mg/kg do 1º ao 5º dia, 40 mg do 6º ao 10º dia, 20 mg do 11º ao 15º dia e 10 mg do 16º ao 21º dia), sendo iniciada o mais precoce possível do início da crise; associada a supressores vestibulares (cinarizina- 12,5 a 25 mg, TID/ flunarizina- 5 a 10 mg, MID). Apesar de não haver ainda um consenso a respeito, alguns estudos defendem terapia anti-viral (por exemplo, vanciclovir) com início até, no máximo, o terceiro dia do quadro labiríntico - a associação da neuronite vestibular com a paralisia de Bell, caso dessa paciente, favorece a indicação de anti-viral.


Assista agora “Tontura-Tratamento medicamentoso”.
2-2     Para tratar Tontina, você escolheria cinarizina como monoterapia ou optaria por cinarizina associada ao dimenidrinato? Justifique.
Eu optaria pela associação, que permite melhor controle da vertigem sem aumentar significativamente a sedação. Estudos tem demonstrado que a associação de cinarizina/flunarizina e dimenidrinato tem controlado os quadros agudos de forma mais eficiente do que o uso isolado de cada uma dessas medicações. Por exemplo, o dimenidrinato tem um pouco mais de ação antiemética, o que seria muito bom no caso em questão, já que a paciente apresenta náuseas e vômitos.
Fim do estudo dirigido.

Caso clínico de Diabetes





Caso Clínico DM II
23/05/2011
N.A.D., 67 anos
HD prévias: 
- DM II
-HAS
-ICC classe I
-coronariopatia
-cardiopatia isquemica pós IAM (1987)
-angioplastia em 2002
-dislipidemia
-sobrepeso
-hérnias inguinais
-depressão em tratamento
-HPB (cirurgia em 2002)
Perguntei sobre o diagnóstico de DM II, paciente relata que o diagnóstico foi feito em 1987, ao sofrer IAM. Na época, começou o tratamento apenas com controle dietético. Permaneceu assim por alguns anos, mas não se lembra quantos. Depois (em 2001??), começou a utilizar Glibenclamida (2,5 mg, 1 cp pela manhã e ½ a noite). Em 2002, começou a utilizar Metformina (500 mg + 250 mg),  e aumentou a dose da Glibenclamida (5mg, 1 cp pela manhã e ½ cp a noite). Em 2003, apresentou glicemia de jejum de 127mg/dl. Foram aumentadas, então as doses dos medicamentos: Metformina (500 mg BID) e Glibenclamida (5 mg BID). Em 2004, a glicohemoglobina apresentada foi de 8,9%. Foi mantida a dose de Glibenclamida, e a dose da Metformina foi aumentada novamente (850 mg BID). Em 2005, a HbA1c foi de 9,0%, e a glicemia de jejum=168mg/dl; porém, as doses dos medicamentos foram mantidas. Em 2006, apresentou glicemia de jejum=171mg/dl, glicemia pós-prandial=155mg/dl, e HbA1c=7,6%; as doses dos medicamentos foram mantidas. Em 2007,a dose de Glibenclamida foi mantida, e a de Metformina aumentada (850 mg TID). Ao final do ano de 2007, apresentou glicemia de jejum=190mg/dl e HbA1c= 7,6%. Em 2008, apresentou glicemia de jejum=135mg/dl, glicemia pos-prandial=154mg/dl e HbA1c=7,1%; os medicamentos foram mantidos. Em 2009, apresentou glicemia de jejum=182mg/dl; a dose de Glibenclamida foi aumentada (?) (5mg pela manhã e 10 mg a noite??) - no prontuário, estava assim: “5mg/10mg BID”. Em 2010, apresentou glicemia de jejum=168mg/dl, e HbA1c=8,8%; havia relato de fraqueza e mal-estar, com melhora após alimentação (seria hipoglicemia, provavelmente devido ao aumento da dose de Glibenclamida?). A Glibenclamida foi então suspensa,  a Metformina mantida (850 mg TID), e introduzida insulinoterapia (NPH 10+0+10). No final de 2010, apresentou glicemia de jejum=158 mg/dl, e glicemia pós-prandial=200mg/dl. A dose de Metformina foi mantida, e aumentou-se a dose de NPH (14+0+10).
Na atual consulta, dia 23/05/2011, apresentou glicemia de jejum de aproximadamente  160mg/dl (fez curva glicêmica durante a última semana).
Medicamentos em uso:
-insulina NPH 14+10+10
-sinvastatina 40 mg MID
-AAS 100mg MID
-Carvedilol 25 mg BID
-Digoxina 0,25 mg MID ( 1/2 comp)
-enalapril 20 mg BID
-diazepam 10 mg MID (se necessário)
-fluoxetina 20 mg MID
-furosemida 40 mg BID
-HCTZ 25 mg MID
-Metformina 850 mg TID
Relata que houve melhora do estado geral. Continua apresentando dispnéia ao caminhar, além de dor lombar que irradia para os mmii (mas está realizando fisioterapia, e houve melhora do quadro). Assim, quando perguntei sobre a questão da prática de exercícios físicos, ele disse que é praticamente impossível realizá-los. Relata que depois que começou a utilizar fluoxetina, houve melhora significativa do quadro depressivo, inclusive está dormindo melhor (quase não toma diazepam mais para dormir). Toma os medicamentos regularmente, consegue seguir as recomendações alimentares, raramente ingere doces. Sem outras queixas.
Resultados de exames:
Glicemia de jejum=145mg/dl
Glicemia pós-prandial=186mg/dl
HbA1c=8,0%
Colesterol total 174, HDL 30, LDL 97, VLDL 47
Triglicérides 235
Creatinina 1,1
Potássio 4,8
Ácido úrico 7,6
Ao exame físico: peso=81,5 kg, altura=1,70m  (IMC=28,2), PA=143/87mmHg
Bom estado geral, sem alterações significativas.
CD: Foi aumentada a dose de NPH (14+0+12), as outras foram mantidas. Solicitados exames: glicemia de jejum, HbA1c, uréia, creatinina, potássio, colesterol total e frações, triglicérides.
Retorno: 17/10/2011.
CRITICAS: Não encontrei no prontuário informações sobre acompanhamento na oftalmologia. A hipertrigliceridemia poderia ser causada pelo descontrole glicêmico? De qualquer forma, dei uma olhada rápida no prontuário, e vi que ela se mantém ao longo dos anos. Não seria interessante iniciar com um fibrato, por exemplo?

Wiki de Diabetes

O caso do Sr. Adauto ilustra a importância de se avaliar de modo global o risco cardiovascular de um paciente. O paciente apresenta problemas clínicos – a maioria deles assintomáticos – que, somados, elevam sobremaneira o risco de doenças circulatórias. O tratamento de apenas um fator, como o diabetes, trará benefício limitado.
Se considerarmos que o primeiro passo antes do tratamento é o diagnóstico, e que o diabetes mellitus tipo 2 pode ser assintomático por longos períodos, é necessário definir: quem e quando rastrear, e quais são os critérios para o diagnóstico.
Atualmente, de acordo com as recomendações da ADA de 2011, deve-se pesquisar diabetes mellitus tipo 2 em adultos com sobrepeso ou obesos e com um ou mais fatores de risco para a doença (tais como: sedentarismo, história familiar positiva para parentes de primeiro grau, hipertensão arterial, mulheres com história de fetos macrossômicos ou diabetes gestacional, mulheres com síndrome de ovários policísticos, HDL menor que 35 mg/dl ou triglicérides maior que 250 mg/dl, alteração em exames anteriores de glicemia de jejum, teste oral de tolerância à glicose (TOTG) ou hemoglobina A1C, história pregressa de doença cardiovascular, presença de acantose nigricans) e em adultos maiores de 45 anos mesmo na ausência de fatores de risco. Na presença de exames normais, repetir o rastreamento, pelo menos, a cada 3 anos.
Mas como rastrear e fazer esse diagnóstico? Ainda de acordo com as recomendações mais atuais da ADA, o rastreamento pode ser feito com glicemia de jejum (GJ), TOTG ou hemoglobina A1C; e os valores para diagnóstico são: hbA1C maior ou igual a 6,5%, GJ maior ou igual a 126 mg/dl ou TOTG maior ou igual a 200 mg/dl, lembrando que esses resultados devem ser confirmados com novo teste, para diagnóstico são necessários no mínimo dois valores como esses realizados em dias diferentes (com excessão para a HbA1c: apenas um valor acima de 6,5% já firma o diagnóstico, independente de outra medida da glicemia por qualquer outro método). Além disso, na presença de sintomas (poliúria, polifagia, polidpsia ou perda não explicada do peso) um valor de glicemia a qualquer momento, maior ou igual a 200 mg/dl define o diagnóstico.
Até pouco tempo atrás, a dosagem de glicohemoglobina não estava dentre os critérios diagnósticos para diabetes. E a adoção desse parâmetro foi de grande importância, uma vez que a HbA1c é um marcador de hiperglicemia crônica, refletindo os níveis glicêmicos dos últimos 2 a 3 meses prévios. Além disso, os níveis de glicohemoglobina correlacionam-se tanto com complicações microvasculares quanto, porém em menor extensão, com complicações macrovasculares. Na verdade, a sua dosagem já era amplamente utilizada no monitoramento do tratamento de diabetes, por exemplo, para reajuste de dose de hipoglicemiantes orais, ou até mesmo de insulina.
Ainda é importante lembrar que o rastreamento e o diagnóstico precoce são extremamente importantes, uma vez que, como o diabetes mellitus tipo 2 pode ser assintomático por longos períodos, muitas alterações podem ocorrer sem que o paciente procure um médico. Por exemplo, pode ser que um paciente permaneça com a doença, sem diagnóstico- e portanto sem tratamento-, por cerca de 5 anos, levando ao aparecimento de retinopatia diabética. Assim, uma avaliação oftalmológica poderia levar a uma suspeita diagnóstica, sendo que essa repercussão poderia ser prevenida se o diagnóstico tivesse sido precoce. E ainda, muitos diagnósticos são realmente feitos tardiamente, com o paciente já apresentando repercussões, não apenas retinopatia diabética, como também acometimento renal e até mesmo neuropatia, por exemplo.
Uma vez firmado o diagnóstico de DM II, deve-se pesquisar a presença de complicações crônicas da doença, já que o diagnóstico é realizado, em geral, tardiamente. Habitualmente estas se tornam evidentes na segunda década de hiperglicemia. Devem ser investigadas: complicações microvasculares (retinopatia, edema macular, neuropatia, nefropatia), macrovasculares (doença arterial coronariana, arterial periférica e vascular cerebral), e outras (gastroparesia, diarréia, uropatia, disfunção sexual, catarata, glaucoma, doença periodontal, complicações dermatológicas e infecciosas). É essencial verificar as comorbidades do paciente e hábitos de vida prejudiciais, como tabagismo. Assim, além de pesquisar na história clínica do paciente os fatores de risco para doenças cardiovasculares citados acima, devemos sempre realizar, na primeira consulta e periodicamente, nas avaliações subsequentes, os seguintes exames: aferição da pressão arterial (inclusive após 2 minutos de ortostatismo), uréia e creatinina, colesterol total e frações, triglicérides, microalbuminúria (dosagem da relação albumina/creatinina em amostra urinária matinal única ou proteinúria de 24h), ionograma, ácido úrico, glicemia de jejum e glicohemoglobina, eletrocardiograma, teste de esforço, exame de fundo de olho e exame físico cuidadoso do aparelho cardiovascular e dos pés (incluindo pesquisa de sensibilidade e palpação de pulsos periféricos). Esses exames, além de estabelecer se existe qualquer grau de comprometimo de órgão alvo, também têm a função de estratificar o paciente de acordo com seu risco cardiovascular global.
Ainda no que se refere especificamente às complicações macrovasculares, é sabido que mais importante do que o controle glicêmico isoladamente, é a abordagem global dos outros fatores de risco cardiovascular modificáveis, a saber: a hipertensão arterial, o tabagismo, a dislipidemia, o sedentarismo, a obesidade e a microalbuminúria.
Nesse sentido, é fundamental o controle pressórico rigoroso (PA alvo menor ou igual a 130/80 mmHg), a adesão à prática regular de exercícios físicos aeróbicos de intensidade moderada (pelo menos 150 minutos por semana), e à dieta. Apenas relembrando em relação à terapia farmacológica da HAS, os IECA e os antagonistas da angiotensina II são as drogas preferidas no caso do DM2, pelos resultados contundentes de estudos com estas drogas em pacientes de alto risco para eventos macrovasculares. Quando necessário, uma segunda droga deve ser associada, como um tiazídico em baixa dose ou um antagonista do cálcio.
Sabe-se que os diabéticos do tipo 2 sem Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) prévio tem o mesmo risco de sofrer um IAM que pacientes não diabéticos que tiveram um IAM prévio. Assim, visando a prevenção de eventos cardiovasculares, recomenda-se para diabéticos de elevado risco cardiovascular (como é o caso do Sr. Adauto) que não tenha contraindicações, terapia com anti-agragante plaquetário (ácido acetilsalicílico, 100 mg, 1 comprimido após o almoço) e com estatinas. Nos casos de intolerância ao AAS, está indicado o clopidogrel 75mg/dia.
Atenção especial deve ser dada à dislipedemia do Sr. Adauto. Pacientes com diabetes tipo 2 possuem duas a quatro vezes mais risco para doenças cardiovasculares quando comparados a não-diabéticos. A doença aterosclerótica, compreendendo doença arterial coronariana, doença vascular periférica e doença cerebrovascular, é responsável por três a cada quatro mortes entre pessoas diabéticas tipo 2. As doenças cardiovasculares são responsáveis por 75% das mortes de indivíduos com DM2. Esse pacientes são frequentemente portadores de uma série de fatores de risco para doenças aterotrombóticas, entre os quais a dislipidemia provavelmente exerce o fator mais importante.
O perfil lipídico mais comum é hipertrigliceridemia associada a HDL baixo, como no caso do paciente do estudo dirigido. O objetivo para controle do LDL é: LDL-colesterol menor do que 100mg/dL para indivíduos diabéticos sem doença cardiovascular e menor do que 70mg/dL para indivíduos com doença cardiovascular prévia. No tocante à hipertrigliceridemia tem-se que o controle glicêmico rigoroso pode reduzir os níveis de triglicérides. Depois de se atingir os  níveis glicêmicos adequados e sem o controle efetivo dos triglicérides, pode-se considerar o uso de fármacos. Em indivíduos com TG entre 200 e 400mg/dL, a decisão de se iniciar a farmacoterapia dependerá do julgameto clínico. Altas doses de estatinas tem apenas moderada capacidade de redução dos TGs. Para aqueles com TGs acima de 400mg/dL, recomenda-se seu controle em vista do risco de pancreatite. Os medicamentos recomendados são os fibratos e o ácido nicotínico.
No caso do HDL-colesterol, o objetivo é um HDL > 45mg/dL para os homens e > 50 mg/dL para as mulheres. A terapia inicia-se com dieta e exercício físico; entratanto, sua elevação sem interferência farmacológica é difícil. Assim os fibratos e o ácido nicotínico podem ser usados uma vez que aumentam significativamente os valores de HDL. Deve-se ressaltar que o ácido nicotínico, apesar de ser um anti-lipêmico de grande eficácia no aumento do HDL, deve ser usado com muito cuidado, pois pode aumentar a glicemia. Lembrando-se que o que realmente faz a diferença á a prática regular de exercício físico aeróbico.
Apesar da persistente resistência deste paciente ao tratamento não-medicamentoso, devemos lembrar que a promoção da saúde é papel do médico e, portanto, a indicação da adoção de hábitos de vida saudáveis deve ser reforçada a cada consulta.  Considerando a lista de problemas deste paciente ele poderia se beneficiar muito da melhoria da dieta, da prática de exercícios físicos, da cessação do tabagismo e do etilismo e da redução do estresse no seu cotidiano. Tais medidas teriam impacto sinérgico com o tratamento farmacológico na diabetes mellitus tipo 2, na hipertensão arterial, na obesidade, na DPOC apresentadas pelo paciente, além de ajudar a proteger seus órgãos-alvo.
Observa-se, por exemplo, que o exercício físico regular tem efeitos benéficos sobre o metabolismo dos carboidratos e sobre a sensibilidade à insulina. Além disso facilita a perda de peso e sua manutenção melhora o controle glicêmico, sem esquecer dos benefícios sobre o risco cardiovascular.